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SIM NÃO

A Imposição Burguesa, o Pão com Mortadela e a Voz do Pobre

Já parou para pensar que o marxismo, enquanto formulação teórica, não brotou do seio da comunidade "proletária", mas da própria mentalidade eminentemente capitalista e burguesa do intelectual? O ente iluminado pelas leituras de Hegel, pelo emocionalismo de Rousseau e pela extrapolação da mecânica da economia para toda a realidade senciente, subjetiva e social do homem, postou-se como o profeta e messias de uma classe da qual nunca pertenceu e como tal nunca viveu - ainda assim, julgou-se receptador, intérprete e porta-voz daquilo que parece ter definido como "urros indecifráveis" de pessoas incapazes de saber o que querem e como afirmá-lo social e politicamente.
A raiz iluminista da mente de Marx fica evidente aqui e a defesa da premissa marxista é a própria perpetuação do iluminismo do qual ela emanou, e segue na maioria dos assim chamados por Scruton de "Pensadores da Nova Esquerda". Para sugerir que sabemos mais sobre determinado grupo de pessoas, tradicionalmente dado como desprivilegiado, do que seus próprios membros, precisamos sustentar a pressuposição moderna de que o conhecimento, a Razão, é que faz o homem, que o torna consciente de si e civilizado. Evidentemente, informações e vigor mental facilitam a interpretação de si e do mundo, mas julgar que a condição socioeconômica leva a um desconhecimento das próprias e reais necessidades, é ter a abstração técnica e cientificista como balizadora da verdade. Há muito mais do que abstração racionalista na formação do ser - em Himmelfarb temos a perpetuação de tradições virtuosas pela dinâmica comunitária, em Kirk e Eliot temos a imaginação moral e o contrato da sociedade eterna, em Chesterton temos a democracia dos mortos, em Lewis, a Lei Natural, e em Szondi, o retorno do ancestral pelos genes, como outros veículos identitários e volitivos. A sugestão de que grupos menos "privilegiados" estão inteiramente condicionados, em desejo, ao discurso dominante, é arruinar a sua própria subjetividade e entronizar a racionalização externa como via de resgate de sua suposta ignorância imobilizante - e, assim, levá-los de uma narrativa burguesa para outra. Em momento algum se leva em conta o que os próprios "excluídos" têm a dizer.
Estando no lugar de gente como Theodore Dalrymple, médico que trabalhou em locações nas quais Marx teria dificuldade de passar uma pernoite, podemos começar a perceber que, pelo relato do próprio indivíduo e independentemente de sua condição, ele costuma saber exatamente quem é e o que quer. Digo-o tendo em mente um diálogo produtivo com um morador da Ilha das Flores, em Porto Alegre, para quem o projeto para os próximos meses era trocar as tábuas velhas da casa por uma estrutura de compensado. Ele não queria mais do que isso e pretendia fazê-lo com o ganho de seu próprio trabalho. Não ousei julgar a validade de seu raciocínio e de seu desejo pela sua condição. Deveria ele querer "subir mais alto"? Em verdade, meu interlocutor era mais pé no chão e sensato do que muitos acadêmicos que conheço.
Disso concluo que, me parece, muitos daqueles que damos por "desfavorecidos", se guarnecem num senso realista de identidade, no qual ostentam a defesa da própria honra e da virtude do trabalho para o alcance daquilo que sentem ser-lhes útil e agradável. Não vivem em outro mundo e costumam se desagradar de coisas que também nos desagradam: querem o fim da corrupção, estão descontentes com o preço das coisas do mercado e se sensibilizam com a mendicância. Ouso dizer que, comumente não sendo consumidores vorazes, discernem apoditicamente a essência da natureza humana melhor do que nós, suposta "elite".
Mesmo o recebimento de produtos advindos de políticas públicas do governo é-lhes interpretado de uma maneira bem diferente daquela que os ideólogos tentam-nos fazer engolir: a bolsa família, por exemplo, não lhes parece soar como baluarte de luta contra a "burguesia opressora", mas tão somente como um benefício que é revertido em causas concretas e úteis - não lhes interessa, perceba, o envolvimento nas abstrações revolucionárias. Os últimos protestos em favor do governo, com as inúmeras informações deles absorvidas, indo da distribuição de pão com mortadela, de camisetas sindicais, de algumas notas de dez reais, ao desconhecimento da parte de muitos sobre o que estavam fazendo naquele local - tendo tão somente respondido a um chamado impositivo -, são evidência clara de que a "Revolução" e a "luta de classes" parece mais um ímpeto utópico burguês do que uma emanação das vontades do "povo". O que está por trás disso, sugiro, é mais uma forma de, desprezando os interesses reais dos "desprivilegiados", mudar seu suserano - e o desespero para efetuá-lo é tal que evoca-se a escora do discurso de medo, de um caos resultante do avanço da "elite opositora", e de profecias redentoras, sobre um futuro admirável e desejável por todos, realizando, com isso, a manipulação dos impulsos religiosos e de vaidades e medos que pertencem à generalidade dos seres humanos. Quem não teme o cataclismo e a miséria? Quem não sonha com um futuro pleno? Historicamente, independentemente da classe, líderes se aproveitaram dessas nossas predisposições para a ampliação de seus próprios poderes.
Rejeito a tese marxista de que a história do homem é tão somente conflito de classes. A leitura de Gertrude Himmelfarb, Os Caminhos para a Modernidade, pode-te ser útil. Parece-me, na verdade, que a história do eterno conflito está mais para aqueles que estão no topo do poder econômico e político: eles lutam entre si e, para tal, fazem uso, inclusive, da turba inflamada, para que o marxismo serviu várias vezes, pondo a "plebe" na linha de frente de um conflito que resultaria no levante de czares e "caviares". Essa tem sido uma tendência reconhecível na Revolução Francesa e também no alastramento do nazismo. Em nosso tempo, no nosso país, sem rejeitar algumas das conquistas sociais obtidas, que em Dalrymple são esmiuçadas em suas consequências mais vis, tem-me parecido que há um interesse de capitalismo de Estado na perpetuação do discurso de Esquerda, uma vez que ele favorece a absolutização do próprio Estado - e o Estado, por sua vez, em meio às estatais e empresas aliadas, os monopólios. Há, indubitavelmente, relações econômicas e de poder da maior estatura se justificando e perpetuando no discurso de direitos e revolução social. Foi assim na União Soviética, é assim na Coreia do Norte, em Cuba e na Venezuela, e parece que assim tem sido entre nós. Não pode haver independência do povo quando se alimenta o paternalismo, o populismo, o apego religioso ao líder e ao Partido.
Mas veja, e veja bem: enquanto a "Revolução" e a defesa do Partido faz sentido para o ideólogo acadêmico desligado da realidade concreta, não soa como uma obviedade para aquele que tem tentado levar a vida na selva de concreto. Você não encontra com frequência líderes de massa que sejam eles próprios parte dela, você não costuma vislumbrar notas e manifestos que saiam do seio da comunidade - isso tende a brotar do gabinete de professores, intelectuais e políticos, respondendo ao que eles querem, em sua relação de poder com o Estado e seu círculo profissional, no qual os egos de todos são afagados. Isso tudo me soa, tome nota, produto do próprio delírio ideológico dos burgueses marxistas - que tentam se justificar e mover às custas de uma suposta causa social, sequestrando o povo para sua militância e deslocando-se em suas costas.
As pessoas querem dinheiro, saúde, dignidade, respeito, paz. Não querem a "Revolução" que promete fazê-las consumidoras tão vorazes quanto a "elite". Elas querem aquilo que os ideólogos prometem, pois todos o querem, mas a "Revolução" não lhes é um impulso próprio e óbvio. O "conflito de classes" não lhes é demanda - na verdade, só é patente para os iluminados delirantes e megalomaníacos. E aqui não cabe dizer que elas estão erradas ao não notarem aquilo que os "sábios gnósticos da Academia" afirmam ser verdade: elas sabem muito mais sobre si do que eles. Minha posição, nesse sentido, é, sim, pela libertação do povo - por uma libertação verdadeira, sólida, real, uma libertação mental para que deixem de ser "massa" impessoal respondendo ao "messias", uma libertação das amarras do Estado e de seu capitalismo próprio, uma libertação dos "intelectuais" que, na busca de seu próprio benefício político e econômico pelo favorecimento do status quo e às custas da boa vontade "povo", disseminam a ideologia do Partido. Essa libertação que favoreço está no reascender da autonomia sobre si, sem a submissão cega à gnosis do marxismo burguês e da lógica mercantil. Essa é uma libertação do jugo iluminista dos aristocratas esclarecidos. Essa é uma libertação do materialismo reducionista, da obrigatoriedade de se estar em conflito, da necessidade de se ver submetido à lógica de coletivo e ao pronunciamento do líder. Essa é uma libertação da presença física como moeda de troca, que tem migalhas do Estado e do Partido dadas como retorno para a sustentação do discurso que beneficia tão somente aqueles que parasitam Leviatã.
As próprias pessoas são capazes de dizer o que querem e gostaria de ouvi-las falando sem a cacofonia das mídias e dos revolucionários de gabinete. Gostaria de ouvi-las sem que a sua voz e seu discurso passasse pelo filtro da ideologia que não suguem. Gostaria de ouvi-las, apenas isso. Sentar e, reconhecendo-as como o que são, iguais, escutá-las sem me apressar numa acomodação dogmática e reducionista de seus dizeres. Que possam falar sem que o vermelho e o azul as desmembrem tentando arregimentá-las para seu bastião de poder assentado sobre as gorduras do Estado. Gostaria, nesse sentido, de uma pitada de anarquia, embora não seja anarquista.
A libertação que essas pessoas sonham não está, amigos, na aludida e inalcançável "Revolução", já que os próprios ideólogos estão rendidos ao poder do Mercado. Não acho justo que mais de nós sejam dados em vão sacrifício no altar do materialismo dialético de Marx. A libertação dessas pessoas começa com a sua libertação enquanto as pessoas que são. Libertação regada por um retorno à educação que lapida o ser em essência, não apenas como regurgitação social. Libertação inspirada pela diminuição do Estado, dos impostos, da burocracia, dos monopólios, e uma facilitação do negócio privado, uma ampliação da concorrência - e corrente redução de preços e aumento de qualidade -, que leve a um engrandecimento do homem em si, independente mental, econômica e socialmente, sem ter-se regido pela impessoalidade do Estado, do Partido e do Monopólio, mas produzindo, ao lado de outros em sua própria comunidade, aquilo que for do seu interesse, sua oferta e sua demanda.
Não quero postar-me como porta-voz desse grupo, cometendo o mesmo erro que condeno, mas posso partir de um ponto bastante sólido, que é o entendimento dos alegados "desprivilegiados" como pessoas, em essência, exatamente iguais a mim, de modo que posso me ver no rosto delas - não me julgo capaz de qualificá-las da maneira que gente como Rousseau faria, pondo o suposto desapego à Razão como algo aproximado da animália, da bestialidade, demandando que o "ignorante", dado por "humano de nível inferior", seja domado e condicionado às prerrogativas do contrato, do Estado, dos aristocratas esclarecidos. Longe disso, posso afirmar que buscam coisas semelhantes ao que eu busco, ao que o homem, por natureza, procura, e uma dela é a liberdade de se mover e de negociar em sua comunidade local. Que o capitalismo de consumo e de Estado diminua pela multiplicação de capitalistas, capazes de sustentarem-se material, psicológica e identitariamente na concretização do metafísico direito à propriedade, ecoando Weaver.
Não percebo igualdade inerente apenas no alcance comum de bens materiais - a igualdade começa com a noção de que não há variação de humanidade entre os seres humanos. Enquanto o indivíduo for impedido de pensar e agir dentro de sua própria consciência e soberania, ele até poderá ter acesso aos bens, mas não terá o domínio sobre eles, sendo a sua disposição sempre mediada pelo Partido, pelos "pais" dos escalões políticos - o domínio de propriedade e elemento pressupõe o domínio de si. Mas isso seria possível? Ou eu também estaria me apegando à ideologia, ao utópico? Não percebo assim, embora não pretenda aqui formular uma interpretação estanque da sociedade e oferecer uma solução - não quero cair na reducionista ideolatria. Não há perfeição esperada, somos incapazes de formular e assentar plenitude! Mas podemos erigir, a começar pela nossa própria relação social e com o Estado, uma crescente mentalidade de autonomia individual e comunitária. Se encaminharmos uma diminuição do Estado, fomentando uma responsabilização maior do indivíduo pelo seu meio e pela sua própria vida, se deixarmos de nos enveredar em braços de militâncias governamentais mafiosas, de sustentar, em nome da "Revolução", o próprio capitalismo de Estado, penso que estaremos nos encaminhando para dias um pouco melhores.
Para tal, tendo em vista o Jubileu judaico, não descarto a disponibilização de propriedades para a subsistência e o crescimento dos que não as possuem, com diminuição das propriedades excessivamente vastas e monopolistas, contanto que isso não seja efetuado e dirigido por gangsteres. Há outras muitas medidas que me parecem relevantes, mas evitaria elencá-las aqui por sua questionabilidade e polêmica inerentes. O que quero, contudo, é que se pense que é a mesma mentalidade antropológica que sustém tanto a via marxista quanto a do capitalismo de consumo, dada por Sowell como "irrestrita" - o ente é potencialmente ilimitado -, e ambas faces da moeda são vis para a solidificação do ser. Precisamos encontrar veredas defensáveis para que ambas se enfraqueçam, em favorecimento não apenas da economia, mas da própria subjetividade do ser e de sua comunidade local. Posso estar sendo razoavelmente ingênuo, mas quero que isso tudo sirva de estopim para maiores reflexões, que podem vir a ajudar a amadurecer e enriquecer as ideias aqui veiculadas.

Natanael Pedro Castoldi

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