Vamos começar com alguns fatos: o texto bíblico é muitíssimo antigo e já foi copiado e traduzido inúmeras vezes. Desses pontos todos os entendedores devem partir, cristãos ou não, defensores ou inimigos da fé. Ocorre que não é suficiente apenas alegar antiguidade e quantidade de cópias e traduções para sustentar a existência de erros ou uma configuração bíblica atual totalmente incompatível com o texto original, embora seja apenas com base nessas duas premissas que os críticos das Escrituras levantam as suas objeções ao texto bíblico. Eles se baseiam em verdades inquestionáveis para disseminar deduções desprovidas de uma análise séria dos materiais de estudo disponíveis sobre a questão, estão por fora do desenvolvimento histórico da arte de preservar o texto escriturístico, aquém das descobertas arqueológicas mais poderosas e distantes das melhores traduções. Com base nas deficiências severas dos discursos que pregam a "inconfiabilidade do texto bíblico" decidi escrever esse artigo, tomando informações já divulgadas nesse blog e outras que detenho em minhas fontes. Tire as suas próprias conclusões.
1 - O Antigo Testamento
A - As bases do texto veterotestamentário:
- Parte do conteúdo do Antigo Testamento pode ter sido inicialmente transmitida através o testemunho oral, porém isso não se aplica ao texto inteiro.
- Várias passagens bíblicas mostram que, desde o primeiro momento, trechos da Escritura foram honrados e considerados detentores de autoridade (Êx 17:14-16 e 24:3-4 e 7).
- As tábuas dos 10 Mandamentos eram guardadas na Arca da Aliança (Êx 25:16, 21; Hb 9:4) e o livro da lei de Moisés era mantido no Tabernáculo, ao lado da Arca (Dt 31:24-26).
- Moisés ordenou que os israelitas ensinassem as leis e os estatutos de Deus às próximas gerações (Dt 4:9).
- A Lei de Moisés era confiada aos sacerdotes, que deveriam ensiná-las ao povo (Dt 33:10). Os sacerdotes liam a Lei em voz alta publicamente a cada sete anos para garantir que os israelitas se lembrassem dela (Dt 31:9-11).
- Os sacerdotes receberam ordens de não acrescentar ou retirar nada dos textos recebidos por Moisés (Dt 4:2 e 12:32). Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento falam da Lei de Moisés como algo à parte e revestida de autoridade (Js 23:6; 1 Rs 2:3; 1 Cr 22:13; Mc 10:5, 12:26; Lc 2:22 e 16:29 e 31).
Observação: a segurança do relato da Lei está no arquivar do texto original na Arca da Aliança e no Tabernáculo - se alguém modificasse o texto original, haveria o protegido material para contestar essas alterações. Em Israel a informação não estava restrita aos sacerdotes, uma vez que "os pais eram responsáveis por transmitir a Lei aos filhos" (o que também indica que os ensinavam a ler e a escrever - os judeus tinham altos índices de alfabetização na época), a Lei era lida publicamente a cada sete anos (se o texto lido apresentasse alterações, o próprio povo teria condições de contestá-lo) e os sacerdotes mantinham o povo informado sobre a Palavra de Deus. A Lei também afirmava que ninguém em Israel estava acima dela, tornando as autoridades políticas e religiosas tão passíveis de condenação quanto o povo comum, caso tentassem modificá-la. Vale ressaltar que nos tempos do Antigo Testamento a disponibilidade de livros era escassa, fazendo com que a transmissão comum do texto fosse passada oralmente ou decorada pelo indivíduo quando honrado com a possibilidade de ler o documento, de modo que muitos israelitas sabiam de cor livros inteiros do Antigo Testamento ou o próprio Antigo Testamento, sendo capazes de corrigir as imperfeições relatadas publicamente.
- Outro tipo de documento considerado inspirado no Antigo Testamento é o "profético", que agrupa oráculos de figuras proeminentes da história do povo hebreu que profetizaram em nome de Deus e que ganharam aceitação por advento da realização de muitas de suas profecias (Is 30:8; Jr 25:13, 29:1; Ez 43:11; Dn 7:1; Hc 2:2). Os relatos históricos escritos por profetas também foram aceitos (1 Cr 29:29; 2 Cr 9:29, 12:15, 13:22 e 20:34).
- Daniel 9:2 apresenta a primeira menção a uma compilação de textos bíblicos, dando a entender que Jeremias fazia parte de uma seção maior de obras revestidas de autoridades, tidas como "os livros".
- Ao longo da redação do Antigo Testamento, muitos autores citaram os escritores anteriores (2 Rs 14:6; 2 Cr 25:4 e 35:12; Ed 3:2 e 6:18; Ne 8:1).
- Ao longo da História de Israel os profetas tentaram assegurar o entendimento e a prática correta dos princípios e ordenanças veterotestamentárias (Jr 7:25 e 25:4; Ez 38:17; Dn 9:6 e 10; Os 6:5 e 12:10).
- Há fortes evidências na tradição judaica e em outras fontes de que o povo judeu acreditava que a voz profética tivesse cessado após a morte de Ageu, Zacarias e Malaquias *, existindo a possibilidade de, por volta de 300 a.C., já se ter um cânon do Antigo Testamento definido em todos os seus elementos fundamentais. *Toseftá, Sotah 13:2; Talmude babilônico; Sotah 48b; Sanhedrin 11a e Baba Bathra 12a; Seder Olam Rabbah 30; Talmude de Jerusalém; Taanith 2:1; 1 Macabeus 9:27; Baruque 85:3.
- Jesus aceitou a autoridade do cânon hebraico (Mt 5:17-18). A Igreja, que brotou do povo judeu, manteve o mesmo cânon hebraico (Mt 23:34-35; Lc 11:50-51), apenas acrescentando-lhe as obras do Novo Testamento.
B - Como o Antigo Testamento foi copiado?
- Os textos originais do Antigo Testamento provavelmente foram escritos em pergaminhos de papiro ou de couro (Jr 36). Por terem sido vastamente utilizados, se deterioraram e, depois de copiados, acabaram sendo enterrados de forma reverente. Isso também ocorreu com as cópias. Algumas vezes os textos acabavam sendo armazenados em um "lugar escondido", genizah, até atingirem o volume suficiente para uma cerimônia de enterro ritual - um desses lugares foi encontrado em uma antiga sinagoga no Cairo, por volta de 1890.
- Os primeiros responsáveis pela manutenção do texto veterotestamentário foram os sacerdotes (ou um grupo especial dentre eles).
- Por volta de 500 a.C. a 100 d.C., surgiu o influente grupo de professores e interpretes da lei, os escribas (soperim), que meticulosamente copiavam e preservavam a forma mais exata do texto hebraico que pudessem confirmar. Segundo o Talmude babilônico: "Os homens mais velhos se chamavam soperim porque contavam todas as letras da Torá".
Atualmente se discute sobre a configuração do verdadeiro texto e o quanto ele corresponde ao texto massorético. Vejamos algumas considerações:
- Evidências sugerem que de meados do terceiro século a.C. até alguns séculos depois, vários textos do Antigo Testamento coexistiram, como o proto-TM (uma forma primitiva do texto massorético hebraico), a Septuaginta e o Pentateuco Samaritano. As cópias de antes do primeiro século mostram duas tendências por parte dos escribas: alguns costumavam copiar o texto com exatidão, porém revisando e atualizando alguns termos para o melhor entendimento do leitor, o que não caracteriza "contradição", e outros alteravam intencionalmente os textos, tratando de elementos que consideravam inadequados ou censuráveis, mas, ainda assim, faziam questão de apontar com grande clareza onde e como fizeram tais alterações.
- Um grupo de escribas era chamado de tannaim ("repetidores") e preservou as Escrituras de 100 - 300 d.C. Tal grupo criou meticulosas regras para copiar os pergaminhos das sinagogas: nenhuma palavra ou letra deveria ser escrita de memória; se mais de três erros fossem cometidos em uma página, ela deveria ser destruída. "Era uma prática comum em todo o Oriente Próximo antigo atualizar e revisar textos."
- Após o primeiro século d.C. os escribas se dedicaram com uma precisão ainda mais incrível na preservação da exatidão do Texto Sagrado. Manuscritos datados do primeiro e do segundo século d.C. (por exemplo, de Massada, de Nahal Hever, do wadi Murabba'at e de Nahal Se'elim), refletem o proto-TM com quase nenhuma variação de ortografia ou conteúdo (prossegue o debate sobre como um texto tão preciso foi produzido depois do Primeiro Século).
- Uma grande quantidade de manuscritos e citações rabínicas levam a crer que o proto-TM foi o principal texto mantido pelo núcleo de autoridade do judaísmo, ao mesmo tempo em que se distribuíam outras tradições textuais (a Septuaginta e o Pentateuco Samaritano, por exemplo). Ao que tudo indica, o proto-TM passou a ser, depois do Primeiro Século, a tradição textual dominante.
C - Lidando com os erros dos manuscritos do Antigo Testamento:
- Mesmo que o copista deseje produzir um texto fiel, erros podem se infiltrar no processo de cópia: confusão de letras semelhantes, homofonia (substituição de palavras e letras de som parecido), haplografia (omissão de uma letra ou palavra), ditografia (duplicação de uma letra ou palavra), metátese (inversão na ordem de duas letras ou palavras), fusão (unir duas palavras) e cisão (separar uma palavra). Na verdade, grande parte desses erros podem ser solucionados com uma boa interpretação baseada na compreensão geral do texto bíblico e de manuscritos melhores.
- Existem edições modernas associadas ao Texto Massorético (TM), como a Bíblia hebraica stuttgartensia (BHS) e a Bíblia hebraica quinta (BHQ), que seguem o Códice leningradense (1008 d.C.) e o Projeto Bíblico da Universidade Hebraica, que segue o Códice de Alepo (930 d.C.). O Códice leningradense é a cópia mais antiga do AT completo do TM e o TM é a mais confiável das tradições textuais - quando os textos dos massoretas foram comparados com os manuscritos de Qumran, mil anos mais antigos, verificou-se que a sua precisão os superava.
- A crítica textual do Antigo Testamento abrange o exame das evidências externas de várias fontes (por exemplo, os Manuscritos do Mar Morto, o Pentateuco samaritano e os manuscritos medievais) e outras versões hebraicas (por exemplo, a Septuaginta e a Vulgata Latina) para descobrir a variante original mais plausível do texto. As evidências internas do texto são exaustivamente examinadas para verificar se há alguma pista que ajude a identificar a redação original (por exemplo, estruturas gramaticais e grafia comum). Às vezes achados de outras línguas semíticas ajudam a ler e trabalhar com os textos mais complicados. Algumas diretrizes para se alinhar com a possível redação original:
a - A redação com maior propensão de ser a fonte das demais; b - a redação mais adequada ao seu contexto; c - o peso das evidências do manuscrito é avaliado para descobrir se ele pode conter uma redação secundária ou uma glosa ("comentário ou nota explicativa"). Somente uma pequena porção do texto hebraico possui leituras questionáveis e, destas, apenas uma pequena parte faz uma diferença significativa no sentido do relato.
- As principais fontes para a crítica textual do Antigo Testamento são:
a - O Códice leningradense, que é a cópia completa mais antiga do TM, datada de 1008 d.C. A BHS e a BHQ seguem esse texto.
b - O Códice de alepo, que é a cópia mais antiga incompleta do TM, datada de cerca de 930 d.C. O texto é muitíssimo semelhante ao Códice leningradense.
c - Os Manuscritos do Mar Morto, que constituem mais de duzentos manuscritos bíblicos datados de 250 a.C. a 135 d.C. A maioria desses textos tem estreita concordância com os trabalhos do proto-TM (35% dos manuscritos), confirmando a precisão do TM.
- O leitor das traduções modernas do Antigo Testamento não precisa se preocupar com as possíveis variantes textuais do texto, pois as equipes de tradução das melhores obras, como a Versão Almeida século 21 e a NVI, indicaram todas as variações significativas na própria página do texto. Se o leitor analisar essas indicações, "verá que as variantes significativas causam impacto em muito menos de 1% das palavras do texto e mesmo entre esse 1% não existem variantes que mudariam ponto algum de doutrina".
D - O número de manuscritos antigos do Velho Testamento:
Atualmente foram encontrados mais de 3 mil manuscritos hebraicos do Antigo Testamento, 8 mil manuscritos da Vulgata latina, mais de 1500 manuscritos da Septuaginta e mais de 65 mil cópias da Siríaca peshita.
Resumo: o Antigo Testamento possui conteúdo inteiramente confiável! Desde a forma como o texto original foi preservado e divulgado, os métodos utilizados para a cópia do relato original, a qualidade de algumas tradições textuais, até a quantidade de manuscritos que atualmente dispomos, tudo aponta para um texto que, em questão de doutrina, pode ser considerado em sua plenitude. O leitor pode argumentar que a existência de muitas variações entre os manuscritos antigos desqualifica o texto, mas, como vimos, existiram tradições textuais mais meticulosas que as outras, responsáveis pela confecção de textos mais parecidos com os relatos mais antigos - esses textos, portanto, devem receber uma atenção especial, enquanto são reforçados pelas milhares de cópias inferiores. Texto original -> proto-TM* -> tradições textuais diversas -> Texto Massorético* = o TM é dingo de maior confiança (até porque é sustentando também pelos Manuscritos do Mar Morto).
Fonte: Origem, Confiabilidade e Significado da Bíblia, organizado por Wayne Grudem, C. John Collins e Thomas R. Schreiner, Vida Nova, 2013, Capítulo 11 por Paul D. Wegner, pgs 101-110; observação sobre a "transmissão oral" do livro "Em Defesa de Cristo", Lee Strobel, capítulo 2, Vida, 2001; O Jesus Fabricado, Craig Evans, Cultura Cristã, 2009, pgs 34-37.
2 - O Novo Testamento
A - As bases do texto neotestamentário:
- Os textos que foram incluídos no Novo Testamento precisaram passar por um rigoroso e crítico crivo de análises: autoria apostólica (direta ou indiretamente), aceitação dos cristãos desde a sua primeira divulgação e concordância doutrinária com demais relatos escriturísticos. Se a obra tivesse uma assinatura evidentemente falsa, em discordância com a forma de escrita e o pensamento do autor falsamente alegado, e se o seu conteúdo fosse histórica, teológica e doutrinariamente incoerente, era sumariamente ignorada, acabando por circular apenas em um restrito grupo ideológica e geograficamente distinto.
- Está bastante claro que os cristãos, desde muito antes dos concílios que oficializaram o cânon do Novo Testamento (Laodiceia, Hipona e Cartago), já entravam em consenso sobre os atuais 27 livros que constituem o Novo Testamento.
Se leitor desejar ler algo mais profundo sobre a formação dos cânons do Antigo e do Novo Testamento, aconselho uma olhada nos seguintes artigos do EOMEAB: Uma Análise dos Apócrifos, Parte 1: Os Deuterocanônicos (sobre o Antigo Testamento); Uma Análise dos Apócrifos, Parte 2: Os Pseudepígrafos (sobre o Novo Testamento); Como o Cânon das Escrituras foi Escolhido? (Bíblia em geral).
B - A credibilidade do Novo Testamento:
Existem dezenas de milhares de manuscritos antigos do Novo Testamento e nenhum manuscrito é idêntico ao outro, o que levanta questionamentos quanto à confiabilidade do Novo Testamento que atualmente nos é apresentado. Para isso serve a crítica textual dessa documentação.
- Para atestar a confiabilidade do Novo Testamento e encontrar o texto mais parecido com o original, devemos avaliar o número de manuscritos antigos do Novo Testamento que possuímos (a), a idade dos manuscritos mais antigos (b) e verificar as variações textuais dadas entre eles (c).
a - Há mais de 5700 manuscritos gregos do Novo Testamento, datando do século 2 ao 16 d.C. Mesmo que os primeiros, mais antigos, estejam bastante fragmentados, podemos extrair deles uma grande quantidade do texto neotestamentário. Se adicionarmos aos manuscritos antigos do Novo Testamento as traduções para o latim, copta, sírio, armênio, georgiano, gótico e árabe, somaremos algo entre 20 e 25 mil cópias e, mesmo se todos esses manuscritos fossem destruídos, se poderia retirar o Novo Testamento quase na íntegra das mais de um milhão de citações neotestamentárias (catalogadas) feitas pelos Pais da Igreja em seus sermões, tratados e comentários. A média de cópias dos escritos de autores gregos e latinos antigos é inferior a vinte manuscritos - o Novo Testamento possui mil vezes mais do que isso!
Mais sobre o número de manuscritos antigos da Bíblia no seguinte link: O Número de Manuscritos da Bíblia.
b - Possuímos algo entre 10 e 15 manuscritos do Novo Testamento escritos nos primeiros cem anos após a conclusão do texto original. Nenhum desses manuscritos está completo, mas há alguns fragmentos grandes, que trazem muitos trechos dos Evangelhos ou das cartas de Paulo, por exemplo. Em dois séculos, o número de manuscritos chega possivelmente a mais de quarenta manuscritos; dos textos de antes de 400 d.C. temos 99, o que inclui o Novo Testamento completo no Códice sinaítico. A distância entre o manuscrito mais antigo que temos do Novo Testamento e o relato original está em algumas décadas, enquanto a relação entre os manuscritos mais antigos que possuímos dos autores clássicos e a data de confecção do texto original está numa média de meio milênio.
Encontre mais informações sobre a idade dos manuscritos do Novo Testamento, o que inclui fragmentos de algo entorno de 50 d.C., no seguinte artigo: A Idade dos Manuscritos da Bíblia.
c - Existem cerca de 138 mil palavras no Novo Testamento grego e a melhor estimativa é de que existam aproximadamente 400 mil variantes textuais entre os manuscritos - logo, há, em média, três variantes para cada palavra do NT grego. Ocorre que só existem tantas variantes porque existem milhares de manuscritos - só temos tantas divergências entre os manuscritos gregos, as traduções antigas e os comentários patrísticos, porque possuímos dezenas de milhares desses documentos. Consideremos a quantidade de documentos como algo bom, não ruim, ainda mais porque a absoluta maioria das variantes são apenas acidentes facilmente identificáveis pelos críticos textuais.
Há quatro grupos de variantes textuais: 1 - o maior grupo abrange erros de ortografia e de falta de sentido. A variante mais comum consiste no que é conhecido como "nu" móvel. Trata-se de um "nu" (equivalente hebraico de "n"), colocado no fim de certas palavras quando a seguinte começa por vogal - é o mesmo princípio que diferencia o "são" de "santo". Os erros de falta de sentido se dão quando o escriba escreveu uma palavra que não encontra sentido no contexto, geralmente por fadiga, desatenção ou incompreensão - por exemplo: "éramos cavalos no meio de vós" (hippoi, "cavalos", no lugar de epioi, "gentios", ou nepioi, "crianças pequenas"), erro encontrado na passagem de 1 Tessalonicenses 2:7 de um posterior manuscrito. 2 - O segundo maior grupo se resume nas alterações de menor importância, que incluem sinônimos e modificações que não afetam a tradução. Uma variante comum é o uso do artigo definido como nome próprio (o grego pode dizer "o Barnabé", enquanto as traduções para o português eliminam o artigo). Alguns manuscritos trazem o artigo e outros não. Outra variante comum está na divergência na ordem das palavras, mas como o grego é uma língua bastante flexionada, tal variante não muda o significado do texto. 3 - Outra grande categoria é a das mudanças significativas, mas inviáveis. Um exemplo dessa categoria está na frase "o evangelho de Deus", 1 Tessalonicenses 2:9, presente nessa forma em quase todos os manuscritos, mas discrepante num documento medieval, que fala do "evangelho de Cristo" - é claro que tal variação é significativa, mas trata-se de algo inviável, pois é improvável que um manuscrito medieval, tardio, seja mais fiel ao texto original do que manuscritos mais numerosos e antigos. 4 - A menor das categorias abrange as variantes que são significativas e viáveis. São significativas porque alteram, em certa medida, o significado do texto - grande parte dessas variantes envolve apenas uma palavra ou frase. Romanos 5:1, por exemplo, aparece em alguns manuscritos como "temos paz", enquanto outros apresentam "tenhamos paz" - no grego a variação é de apenas uma letra, mas na primeira Paulo fala sobre uma condição dos cristãos e, na segunda, sobre um objetivo. Mesmo que essa variação seja importante, nenhuma das possibilidades contradiz doutrina alguma da Bíblia e ambas as alternativas apresentam algo teologicamente correto.
Existem duas grandes variantes textuais em todo o Novo Testamento, ambas ocupando doze versículos: Marcos 16:9-20 e João 7:53-8:11. Os manuscritos mais antigos e melhores não trazem esses versículos e tais passagens não se encaixam muito bem com o estilo dos autores. Ocorre que as informações que esses textos trazem não prejudicam o relato bíblico, se bem interpretados, e também não fariam diferença se fossem omitidos - não há perda de verdades essenciais se os excluirmos.
Nas traduções atuais as principais variantes não foram omitidas. Os textos da NVI e da Almeia século XXI, por exemplo, trazem nas notas de rodapé as principais alternativas às palavras duvidosas, que são devidamente indicadas. Os tradutores, após extensos estudos, selecionaram as mais coerentes, mas fizeram questão de deixar o leitor consciente das possibilidades (em alguns casos a variante é omitida, pois os tradutores tinham plena certeza sobre a melhor alternativa). 99% das palavras do Novo Testamento em português não necessitam dessas notas sobre as variantes.
Fonte: Origem, Confiabilidade e Significado da Bíblia, organizado por Wayne Grudem, C. John Collins e Thomas R. Schreiner, Vida Nova, 2013, Capítulo 12 por Daniel B. Wallace, pgs 111-118.
Se o leitor tomar as principais traduções da Bíblia em português e comparar os textos verá que, mesmo tendo elas tomado diferentes manuscritos como fonte, assemelham-se grandemente, sem nenhuma discrepância significativa de sentido e doutrina.
"Reconstruir o original (...) [do] Novo Testamento [é fácil] - com uma precisão acima de 99 por cento, com as incertezas restantes sendo insignificantes. (...) Existem 5.300 manuscritos grego e porções, 10.000 da Vulgata Latina, e 9.300 de outras versões. (...) [somando] mais de 24.000 porções de manuscritos (...) sendo que os fragmentos mais antigos datam entre 50 e 300 anos após o manuscrito original ter sido escrito. (...)
É essa abundância de material que tem permitido a estudiosos como Westcott e Hort, Ezra Abbott, Philip Shaff, A. T. Robertson, Norman Geisler, e William Nix colocarem a restauração do texto original com uma precisão acima de 99 por cento." A estimativa de "variações circunstanciais" de Hort é de um décimo de 1 por centro, e a de Abbot é de um quarto de 1 por cento - os números de Hort que incluem as "variações triviais" ainda é inferior a dois por cento do texto.
"O número de manuscritos do Novo Testamento... é tão grande que é praticamente certo que a leitura verdadeira de cada passagem duvidosa é preservada em uma ou outra dessas autoridades antigas. Isto não pode ser dito de nenhum outro livro do mundo." Sir Frederic Kenyon.
- A documentação do Novo Testamento é, pelo menos, 100 vezes mais confiável do que o restante da literatura antiga.
Fonte: Os Fatos Sobre a Bíblia, John Ankerberg, John Weldon e Dilon Burroughs, Actual, 2011, pgs 23-24.
"Aproximadamente um oitavo de todas as variações textuais [dos manuscritos bíblicos] tem alguma importância, a maioria é apenas uma questão de mecanismos de ortografia ou estilo, por exemplo. No total, apenas um sessenta avos pode não ser considerado como 'trivialidade' ou pode ser entendida de alguma forma como uma 'variação substancial'". Norman Geisler.
Fonte: Por Que Confiar na Bíblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pg 60.
3 - A cópia dos manuscritos na Idade Média:
Nós temos uma grande quantidade de documentos bíblicos anteriores à Idade Média, de modo que a perpetuação das Escrituras nesse período, embora imprescindível historicamente, não nos é essencial como fonte para a confecção de traduções da Palavra. Mesmo assim parece-me interessante levantar algumas notas sobre o trabalho dos monges copistas do medievo:
"Os monges consideravam que, quanto mais cópias fossem feitas de um mesmo manuscrito, mais fácil seria possibilitar que alguma dessas cópias permanecesse"; "No século IX, com o reinício das invasões na Europa, temia-se a destruição dos mosteiros e com isso a perda de muitos textos. Por isso, Beda, de Jarrow, insistia que seus escribas escrevessem com maior rapidez, por temer os tempos vindouros"; "nos século VIII e IX quase todos os textos antigos existentes naquele momento foram recopiados muitas vezes e, por isso, salvos"; "Nessa época, como muitas vezes o texto copiado já era de uma cópia anterior, os monges tinham que ter cuidado e procurar identificar emendas ou erros de ortografia cometidos pelos copistas anteriores". Fonte: Monges Medievais, Ricardo da Costa, Eliane Ventorim e Orlando Paes Filho, Planeta, 2004, pgs 29 e 33.
Maiores detalhes sobre a perpetuação do texto bíblico, bem como o nome de alguns manuscritos, você pode encontrar nos seguintes artigos: A Preservação do Texto Bíblico; A Idade dos Manuscritos da Bíblia.
4 - Curiosidades:
Os cristãos possuem dezenas de milhares de documentos antigos que podem ser usados para verificar a exatidão do relato bíblico. Na sequência, alguns pontos da história da produção textual bíblica e alguns dos seus manuscritos:
- Os massoretas: entre 600 e 950 d.C., eruditos judeus, os massoretas, inventaram um completo sistema de vogais e acentos para pontuar o texto bíblico, além disso padronizaram o texto, incluindo leituras marginais e variações textuais. Os mais antigos textos massoréticos são: o Códice do Cairo, 895 d.C., o Códice de Alepo, 925 d.C., e o Códice de Leningrado, 1108 d.C.
- Os Manuscritos do Mar Morto apresentam fragmentos de praticamente todos os 39 livros do Antigo Testamento hebraico (com apenas uma exceção) e, em especial, um rolo completo de Isaías.
- O Antigo Testamento de Qumran nos aproxima do original: antes dos achados, os mais antigos que dispúnhamos eram 1300 anos posteriores ao término da redação do Antigo Testamento, agora teríamos uma variação de dois ou três séculos. Nas cavernas de Qumran foi encontrado um rolo completo de Isaías do ano 125 a.C., 1000 anos mais antigo que o texto massorético, 916 d.C. Após análises comparativas entre a preservação dos escribas massoretas e o texto de Qumran, chegou-se a uma conclusão espantosa: a Bíblia hebraica e o manuscrito antigo são 95% idênticos, com pequenas variações nos outros 5%, por exemplo: das 166 palavras de Isaías 53, dezessete letras são duvidosas, sendo que dez delas são diferenças de ortografia, quatro partem de variações de estilo e as outras três são o acréscimo da palavra “luz” no verso onze, nada que altere o significado. Fonte: Por que Confiar na Bíblia?, Amy Orr-Ewing, Ultimato, 2008, pgs 48 e 49.
- Fontes da crítica textual do Novo Testamento: hoje existem mais de 75 fragmentos de papiro do NT, que datam do século II ao III d.C., e compreendem 40% do texto do NT. O fragmento P52 data de 135 d.C. e contém partes de João 18:31-34 e 37-38; os P45, P46 e P47 pertencem aos Papiros de Chester Beatty I, II e III (200 d.C.); o P66, o famoso Papiro de Bodmer, apresenta o Evangelho de João e data de aproximadamente 200 d.C.; o P75 pertence ao Papiro XIV-XV de Bodmer, contendo João e Lucas, também datado de 200 d.C.; o fragmento de John Rylands contém parte do Evangelho de João e data de 130 d.C. Existem cerca de 300 unciais (os unciais são pergaminhos escritos com letras maiúsculas, utilizadas dessa forma nos manuscritos do NT até por volta de 800 d.C.) e mais de dois mil seiscentos e quarenta e sete minúsculos (textos que datam do século IX ao XVIII e apresentam uma escrita cursiva ou corrente). Outra forma de literatura cristã é chamada de "versão", escrita antes do ano 1000 d.C., e entre as versões mais valiosas estão: a Antiga Latina (século II d.C.), a Vulgata (382-84 d.C.), a Siríaca (séculos IV e V d.C.), a Copta (séculos II a IV), a Armênia (século V), a Antiga Georgiana (século V), e Etíope e a Gótica (século IV). Temos também os lecionários, que eram livros usados no ofício da Igreja, contendo lições das Escrituras - foram resgatados cerca de dois mil documentos, que datam de 280-1600 d.C. Também temos óstracos, vinte e cinco, e talismãs, nove, com trechos do NT, datando do século IV ao XIII d.C. Por fim, segundo Unger, o Novo Testamento é citado cerca de 86 mil vezes pelos Pais da Igreja.
- Quais são os manuscritos mais antigos do Novo Testamento? Com 148 folhas, o Códice Sinaítico, século IV, apresenta o NT completo; o Códice Alexandrino possui a maior parte do AT e do NT e data do século V; o Códice Vaticano, século IV, contém quase todo o AT e o NT - exceto Hb 9:14-13:25, as epístolas pastorais, Filemon e o Apocalipse; o Códice Efraimita, do século V, contém 145 folhas de um total de 238 do NT; o Códice de Beza, século V, preservou todo o NT; o Papiro I de Chester Beatty, do século III, contém 38 folhas do códice original de papiro dos evangelhos e de Atos; o Papiro II de Chester Beatty, século III, contém 86 das 104 folhas originais do códice de papiro das epístolas de Paulo; o Papiro III de Chester Beatty, século III, possui 10 das 32 folhas originais do códice de papiro do Apocalipse; o Papiro II de Bodmer, século III, possui 150 páginas de um códice de papiro do Evangelho de João; o Papiro XIV-XV de Bodmer, século III, possui todas as 144 páginas dos evangelhos de Lucas e João.
Fonte: Manual Bíblico Unger, Merrill Frederick Unger, Vida Nova, 2006, pgs 707, 714-716.
5 - "Erros" e "contradições" da Bíblia:
"(...) as obras dos Drs. John W. Haley,William Arndt, e Gleason Archer examinam coletivamente mais de 1.000 supostos erros e contradições da Bíblia, e praticamente todas são corretamente solucionadas por meio de atenção cuidadosa a detalhes relevantes."
Fonte: Os Fatos Sobre a Bíblia, John Ankerberg, John Weldon e Dilon Burroughs, Actual, 2011, pg 37.
Leia mais sobre isso na seguinte postagem: A Bíblia: Falhas Matemáticas, Biológicas e Geográficas?
6 - Historicidade do relato bíblico:
- Há algumas décadas foram catalogados mais de "25.000 sítios do mundo bíblico confirmados por achados arqueológicos".
- A obra de 17 volumes "Arqueologia, a Bíblia e Cristo", Dr. Clifford Wilson, ex-diretor do Instituto Australiano de Arqueologia de Melbourne, traz mais de 5.000 fatos relacionados a arqueologia bíblica.
Fonte: Os Fatos Sobre a Bíblia, John Ankerberg, John Weldon e Dilon Burroughs, Actual, 2011, pgs 32 e 34.
Leia mais sobre isso na seguinte postagem: A Exatidão Histórica da Bíblia.
7 - A confiabilidade profética da Bíblia:
- Existem 8.352 versículos preditivos na Bíblia, com 1.817 predições sobre 737 temas diferentes. "O número de predições messiânicas do qual podemos escolher é imenso: os autores variam entre 73, mais de 125 e mais de 400 profecias." Peter Stoner, Professor Emérito de Ciências no Westmont College, calculou a probabilidade de um homem cumprir as oito principais profecias sobre o Messias, recolhendo as estimativas em 12 salas diferentes e com um total de 600 alunos de faculdade. Stoner encorajou céticos e cientistas a promoverem seus próprios cálculos e estimativas e então submeteu os resultados a um comitê do American Scientific Affiliation, que "verificou que seus cálculos foram precisos com relação ao material científico apresentado". Resultado: a probabilidade mais conservadora de um homem consumar todas as oito profecias foi de 1 em 1017- uma chance em 100 quadrilhões!
- Peter Stoner, noutro cálculo, tomou 48 profecias e chegou à probabilidade de 1 em 10157 das 48 profecias serem cumpridas por uma única pessoa. Conforme demonstrado por Emile Borel e William Dembski, 1 "probabilidade" em 10157, na realidade significa "chance nenhuma"! "A probabilidade é um zero absoluto". Werner Gitt afirma que 3.268 versículos proféticos da bíblia já se cumpriram - quais são as probabilidades de isso ter acontecido casualmente?!
Fonte: Os Fatos Sobre a Bíblia, John Ankerberg, John Weldon e Dilon Burroughs, Actual, 2011, pgs 47-49; Perguntas que Sempre São Feitas, Werner Gitt, Actual, 2005, pg 33.
Leia mais algumas informações sobre o assunto nas seguintes postagens: A Autoridade Profética da Bíblia; Cristo e as Profecias do Antigo Testamento.
Conclusão: o que mais preciso falar? Diante de tantas evidências e fontes, entendo que o leitor pode prosseguir nos estudos e, principalmente, tomar duas ou três traduções da Bíblia em português, para verificar as notas sobre as variantes textuais e comparar os relatos. O número de variantes não implica num texto indigno de confiança!
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo seu trabalho
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