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O Paternalismo, os Protestos e o Pavor da Orfandade


Tenho dito ultimamente que o curso do processo histórico dificilmente pode ser barrado. Se a mentalidade do brasileiro está em fase de transformação e o atual sistema político e econômico, cujo representante maior é o partido que está no governo há quase uma década e meia, já não mais corresponde aos anseios que se generalizam, chavões, espantalhos e sofismas terão pouco efeito popular. O martelar por sobre as mesmas teclas, com acusações de que parcela significativa da nação é "golpista", não servirá para que posicionamentos se alterem - apenas incitará os ânimos das partes, cindindo ainda mais a população. 

E essas são as últimas cartadas de um sonho bolivariano que se encontra em estágio terminal no continente: no ocaso da religião do Estado, cabe estimular os impulsos religiosos e morais dos fieis mais devotos, incutindo em sua mente, com tempero de carne embutida, o mandato heroico de proteger nosso paternalismo cultural, ameaçado pelos "golpistas patricidas", que querem apostar e encaminhar, como "nunca antes na história desse país", uma condição de Estado reduzido. O que moveu a multidão rubra nesse último dia 18 foi o medo da orfandade, e isso está latente nos discursos que ecoam de suas trincheiras, onde se guarnecem e ostracizam cada vez mais, como a fera acuada: "se a Rainha do Brasil sair, quem a substituirá?", "se a carreira política do Paizão acabar, quem será o mediador entre Deus e os homens?" 

Aparentemente, tem rezado a lenda, a ausência a "Grande Mãe" e do "Filho do Brasil", a "Sagrada Família" da qual muitos se viram filhos nessa cosmogonia à brasileira, culminará numa espécie de caos generalizado - e o vazio da ausência dessas entidades cósmicas haverá de ser preenchido por criaturas tenebrosas e desejosas de toda a espécie de mal. Se uma das figuras dessa trindade pagã, a Mãe, o Filho e o Partidão, for abalada, o próprio tempo será distorcido e retornaremos, imediatamente, ao período da Ditadura Militar - a era que serve de bode expiatório, de Geena, para onde o brasileiro destinou todos os seus pavores e vilanias ao longo das últimas décadas, forjando um "monstruário" que daria inveja a Dante e seu Inferno.

Esses questionamentos existenciais, de cunho transcendental, metafísico, ecoam nos corações saudosistas, que insistem em ver em supostos progressos passados motivo suficiente para a beatificação de seus líderes, uma espécie de graça divina que os torna imunes ao pecado e seus efeitos legais, e nas mentes românticas, esperançosas de um futuro dourado a ser erigido pela liderança messiânica para quem se entregaram como oferta, oferecendo seus corpos para o embate, suas almas para a causa salvífica, suas mentes para a disseminação ritualística das informações veiculadas pela imprensa do Partidão, e sua consciência, que se nega a aceitar os crimes nos quais se envolvem seus redentores, compensando sua demanda por moralidade através do alinhamento a uma supostamente patriótica luta em favor da democracia, amuleto para manter afastados o "Monstro do Roupeiro" - diga-se, "época da Ditadura" e suas crias - e os vilões norte-americanos, que têm nos EUA uma réplica em tamanho real da Mordor conforme idealizada por Tolkien. Evidentemente, contudo, essa entrega não é gratuita: o saciar das necessidades religiosas mais elementares pela adoção de um sistema de abstrações, cuja "ideolatria" explica a inteireza da realidade e promete, como resultado da fidelidade revolucionária, o reencontro com o paraíso edênico, precisa de confirmações concretas, das benevolências do "pão nosso de cada protesto".

Quando tua cosmovisão se constituiu no seio da ideologia, quando o líder te foi despido de todas as maldades, feito o divino encarnado, e passou a servir de receptáculo de tuas esperanças, quando o Partido se põe a ver como detentor de códigos secretos e da gnósis que redimirá a nação, é duro reconhecer a verdade, a traição - a tua própria identidade parece que se dilacerará junto com eles. A reação primeira da psiqué é mover-se em negação e mudança de foco. Segue-se, do reconhecimento, a busca pela justificação e pelo suposto "mal menor". Esperemos que o tempo mostre que é possível existir sem "eles" - que há vida fora do Partido - e, assim, que as reações reflexivas se amenizem, suprimidas pelo realinhamento existencial.

Até que isso não aconteça, sigamos acompanhando esses dolorosos dias de mudança, surpreendentes em suas inversões - dias de revelação, nos quais os ditos progressistas têm se tornado reacionários de carteirinha e os alegados "reacionários", militado pela mudança de paradigma. Amigos, o que temos diante de nós é absolutamente anormal - estamos lidando com a fé política que exala de um paternalismo religioso quase onipresente, profundamente enraizado nas emoções de seus perpetradores, e aqui incluo também muitos dos "opositores golpistas". Nesse sentido, cada movimento nosso pode desabrigar mentes e corações. São dias de luta, mas também de sensibilidade, que demandam sensatez, tolerância, diálogo, humanidade, para que a inevitável transição não deixe em seu rastro apenas terra desolada.

Natanael Pedro Castoldi

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