O livro História Eclesiástica, Eusébio de Cesaréia (263-340 d.C.), que relata os eventos dos primeiros quatro séculos da igreja cristã, tendo sido escrito originalmente pouco depois do Concílio de Nicéia (325 d.C.), é, além de tudo, um verdadeiro livro de apologética cristã, tendo sido redigido não apenas para relatar a história dos cristãos do início da Era Cristã, mas também para indicar a supremacia da fé principiada por Cristo. Tendo em mãos o exemplar impresso pela CPAD em 2012, acabei encontrando algo extremamente surpreendente, enquanto intrigante: Cristo supostamente escreveu uma carta para o príncipe de Edessa, Agbaro, das nações além do Eufrates - coisa que é, no mínimo, estranha. Trabalhemos a questão, deixando o assunto em aberto - tire as suas próprias conclusões.
Nas páginas 42-45 do História Eclesiástica encontramos a evidência, para o autor inquestionável, de que ocorreu uma troca de cartas entre Jesus e Agbaro. Trabalhando com o momento de fama máxima do ministério de Cristo, Eusébio aponta para uma popularidade do Messias para além das extremidades da Palestina, com base na singularidade, poder e frequência de seus milagres. Uma personalidade tão magnífica quanto Cristo não poderia ter sido percebida apenas nas terras próximas! Através de viajantes, mensageiros e comerciantes (principalmente judeus), o conhecimento dEle chegou até as terras da Mesopotâmia - e lá um rei adoentado e desesperado Lhe enviou um pedido de ajuda. Sobre tal carta, Eusébio afirma: "temos provas numa resposta escrita retirada dos registros públicos da cidade de Edessa, então sob o governo do rei [Agbaro] (...) [os] registros públicos [sobre as transações de Agbaro] ainda se encontram preservados até o dia de hoje". Segue a carta de Agbaro para Jesus:
"Agbaro, príncipe de Edessa, a Jesus, o excelente Salvador, que se manifestou nos limites de Jerusalém, saudações. Tenho ouvido os relatos a respeito de ti e de tuas curas, realizadas sem remédios e sem o uso de ervas. Pois, conforme se diz, fizeste o cego volta a enxergar, o coxo a andar, e purificaste os leprosos, e expulsaste espíritos impuros e demônios, e curaste os atormentados por longas enfermidades, e ressuscitaste mortos. E ouvindo todas essas coisas a respeito de ti, concluí em minha mente de duas, uma: ou és Deus e, tendo descido do céu, realizas essas coisas, ou então, por realizá-las, és filho de Deus. Assim, escrevo agora e imploro que me visites e me cures da doença com que sou afligido. Também tenho ouvido que os judeus murmuram contra ti, tramando injuriá-Lo. Tenho, porém, um estado muito pequeno, mas nobre, suficiente para nós dois." Eusébio segue dizendo que Jesus mandou uma resposta clara ao pedido, isso pelas mãos do mesmo mensageiro que entregou-o a Ele, tal foi ela:
"Bendito sejas, ó Agbaro que, sem ver, creste em mim. Pois escreve-se a meu respeito que os que me viram não crerão, os que não me viram, podem crer e viver. Mas com respeito ao que me escreveste, que eu fosse ver-te, é necessário que eu cumpra todas as coisas aqui, para assim ser recebido por Aquele que me enviou. E depois que for recebido no alto, enviarei a ti um de meus discípulos para que ele possa curar-te de tua aflição e dar vida a ti e aos que estão contigo." Ao suposto texto de Cristo anexou-se, em língua siríaca: "Após a ascensão de Jesus, Judas, que é também chamado Tomé, enviou-lhe Tadeu, o apóstolo, um dos setenta; que, chegando, permaneceu na casa de Tobias, filho de Tobias. Quando circulou a notícia de sua chegada e tornou-se publicamente conhecido pelos milagres que realizava, foi comunicado a Agbaro que um apóstolo de Jesus havia ali chegado, conforme tinha escrito. Tadeu, assim, começou a curar todos os tipos de doenças e enfermidades no poder de Deus; de modo que todos ficaram maravilhados. Ora, quando Agbaro ouviu os grandes feitos e milagres que Tadeu realizava e como curava em nome e no poder de Jesus Cristo, começou a suspeitar que essa era a própria pessoa a respeito de quem Jesus escrevera, dizendo: Depois que for recebido no alto, enviarei a ti um dos meus discípulos para que possa curar-te de tua aflição. Tendo, portanto, mandado chamar Tobias, com quem ficara, disse-lhe: 'Tenho ouvido que certo homem poderoso vindo de Jerusalém está em tua casa, realizando muitas coisas em nome de Jesus'. Ele respondeu: 'Sim, meu senhor, certo estrangeiro veio, e se hospeda comigo, tendo realizado muitas maravilhas'. O rei replicou-lhe: 'Traze-o a mim.' Tobias, então, retornando a Tadeu, disse-lhe: 'Agbaro, o rei, tendo-me mandado buscar, disse-me que te conduzisse a ele, para que possas curá-lo de sua indisposição'." Decorrido um diálogo entre Tadeu e Angbaro e uma imposição de mãos "Angbaro foi imediatamente curado da doença e dos sofrimentos com que era afligido". Tadeu continuou curando pessoas e maravilhando o rei e os demais habitantes da cidade, por fim desferindo uma bela pregação diante do povo que, em parte, segue:
"(...) com respeito a seu novo modo de pregar, sua condição modesta e servil, sua humilhação em aparência externa, como se humilhou, e morreu, e humilhou sua divindade; que coisas, também, sofreu por obra dos judeus; como foi crucificado, e desceu ao Inferno (Hades), e rompeu barreiras que nunca haviam sido quebradas, e ressuscitou, e também ressuscitou com Ele os mortos que dormiam havia séculos. E como desceu só, mas ascendeu uma grande multidão ao seu Pai. E como se assentou à mão direita de Deus e o Pai, com glória, nos céus; e como está para vir novamente com glória e poder, para julgar os vivos e mortos". É dito ainda que Tadeu recusou os tesouros que lhe foram oferecidos por Agbaro.
Além de ter herdado os seus conhecimentos teológicos de Orígenes, Eusébio certamente tomou como base para seu livro os documentos da grande biblioteca que existiu em Cesaréia e é bastante provável que tenha viajado por muitas terras na busca por material - lembremos ainda que os feitos de Cristo, impactantes para os judeus, circulavam rapidamente pelas sinagogas e que várias delas existiam na Mesopotâmia, como resultado do Exílio. O próprio historiador afirma que traduziu o texto literalmente - embora não saibamos como o relato original fora transformado com o tempo (incerteza que não podemos ter com relação às Escrituras). Sim, Eusébio fez um bom trabalho, mas isso não significa que tudo o que escreveu é digno de total crédito, o que também não inibe as possibilidades de um certo grau de veracidade, sustentada pela antiguidade do relato, pelas fontes de pesquisa e pela aceitação da obra. Que fique o enigma, uma vez que é simplesmente impossível verificar corretamente a procedência desse material, de modo que não temos como considerá-lo veraz e, muito menos, fraudulento. Que o leitor o analise com critério e honestidade.
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo trabalho
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