Comumente vemos os críticos da Palavra acusando-a, precipitadamente, de fazer apologia à escravidão. Tal mentalidade deriva de um entendimento insuficiente sobre a realidade da escravidão na Antiguidade e dos interesses sociais bíblicos - é sobre isso que falaremos. Tire as suas próprias conclusões.
A escravidão na Antiguidade:
A escravidão era um fato plenamente aceito na Antiguidade e detinha posição de destaque na vida econômica e social do período. Enquanto alguns escravos eram tratados com poucos cuidados e utilizados em grandes grupos em minas e noutros terrenos hostis, outros exerciam funções privilegiadas, sendo considerados artesãos de máxima perícia ou administradores de confiança - frequentemente os escravos estavam em condições melhores do que muitas pessoas livres.
No Império Romano havia leis que almejavam proteger o escravo, garantindo-lhes até alguns direitos - estava-lhes aberta a possibilidade, inclusive, de possuir propriedades pessoais. Já no Século I a.C., a população de escravos no Império ficou altíssima, criando problemas e levando a algumas rebeliões - na falta de cidadãos livres para exercer os deveres cívicos, o que incluía o serviço militar, entre 81 e 49 a.C. foram libertos quinhentos mil escravos. Dentre esses escravos, muitos eram judeus que, uma vez livres, adotaram nomes romanos. Um erro comum que os críticos das escrituras hoje cometem está na associação do termo "escravidão" com a forma de escravidão trabalhada nas colônias do Novo Mundo - essa forma de escravidão foi muito mais hostil do que a desenvolvida no Mundo Antigo.
Do livro "Império Romano", Patrick Le Roux, L&PMPOCKET, Encyclopaedia, 763, 2009, pg 71: "Já os escravos, que custavam caro, eram mais bem atendidos e alimentados, o que lhes conferia uma expectativa de vida bastante superior àquela que os cidadãos pobres poderiam esperar."
A escravidão no Antigo Testamento:
No Antigo Testamento, mesmo que a escravidão fosse tida como algo aceitável, a forma como os hebreus lidavam com seus escravos era grandemente mais humanitária do que no restante das nações do Oriente Médio. Isso começa com o fato de que, em Israel, era preferível contratar trabalhadores para a realização de serviços do que utilizar escravos - e, quando uma família detinha algum escravo, este geralmente cumpria tarefas domésticas ou compartilhava dos deveres do campo com seu senhor.
Os escravos de Israel eram adquiridos das seguintes formas: compra, pagamento de alguma dívida, herança, nascimento ou prisão de guerra. Havia pessoas, inclusive, que vendiam a si mesmas (Lv 25:39; Dt 15:12-17). Um escravo de Israel podia ser liberto das seguintes formas: por intermédio de um resgate (Lv 25:48-55), pela lei do ano sabático (Ex 21:1-11; Dt 15:12-18), no ano do jubileu (Lv 25:8-55) ou por advento da morte do dono (Gn 15:2). Os escravos israelitas tinham alguns privilégios: eles eram considerados como parte da família que os hospedava e, se fossem hebreus, tinham direito ao descanso sabático e de participar das festas religiosas. Eles também podiam possuir propriedades, o que incluía escravos. No lar era comum que a esposa e a concubina-escrava tivessem os mesmos privilégios, não havendo distinções entre elas. Os escravos de Israel eram protegidos de práticas cruéis e, especialmente, de atitudes que ameaçassem suas vidas (Ex 21:20) - o sequestro de pessoas era severamente condenado (Ex 21:16).
A escravidão no Novo Testamento:
Situava-se dentro do contexto romano já comentado. Mesmo que não atacasse a escravidão como instituição, evitando conflitos sociais desvantajosos para os escravos, o Novo Testamento redefiniu a postura do senhor gentio perante o seu escravo (Fm), mostrou que aos olhos de Deus não há nem "escravo nem liberto" (Gl 3:28). O Novo Testamento declarou que todos, inclusive os senhores e os escravos, deveriam prestar contas a Deus (Ef 6:5-9). É fato que o verdadeiro impacto desses princípios não se mostrou com todo o seu potencial assim que o Novo Testamento foi concluído - isso demorou até o período da Reforma Protestante.
A escravidão na História da Igreja:
No início da Era Cristã, a escravidão prosseguiu como um fato aceito, embora muitos escravos costumassem encontrar a liberdade em eventos especiais, como a celebração da Páscoa. Mesmo que Justiniano (527-65 d.C.) tenha militado para eliminar a escravidão, o número de escravos voltou a crescer. No período das Cruzadas havia comércio de escravos dos dois lados, sendo que Veneza vendia até mesmo escravos cristãos para uso dos muçulmanos. No Século XV iniciou-se o tráfico moderno de escravos, que levou cerca de quinze milhões de escravos para as Américas - mas havia resistência cristã. Lutavam contra a escravidão os quacres, os morávios, os metodistas e os evangélicos na Inglaterra e na América do Norte - John Wesley, Granville Sharp, William Wilberforce e Thomas Clarkson, além de outros líderes evangélicos, lutaram contra a escravidão até torná-la ilegal na Grã-Bretanha em 1807, no Império Britânico em 1827 e, conforme determinado pelo Congresso dos EUA, encerrada no país em 1808.
Fonte: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell, Vida Nova, 2009, pgs 45-47, Volume 2, W. N. Kerr.
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo trabalho
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