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Fundamentos: Sobre Deus e Sobre a Bíblia

Um Mirante para Verstellen, Fundamentos
Com o tempo tenho aprendido a ver a Bíblia de modo diferente, de modo a desapegar-me de pressuposições confortáveis -"a Bíblia não contém erro algum"-, abrir mão de conceitos absurdos -"a Terra tem 6 mil anos"- e perceber a flexibilidade e extensão do texto -a proposta bíblica se fundamenta basicamente na existência de Deus e na História da Redenção, ou seja, uma narrativa histórica, filosófica e teológica destinada quase que exclusivamente a expressar princípios referentes ao mecanismo pelo qual o Deus amoro e justo conciliou amor e julgamento no sacrifício propiciatório e expiatório do Seu santíssimo Filho, portanto, há uma imensa abertura para perspectivas científicas no que se refere às origens e análises históricas no que se refere à história da humanidade segundo as Escrituras, entendendo que o evento descrito pode tanto ser a narração de um fato ocorrido, quanto uma parábola destinada a transmitir alguns conceitos científico-filosófico-teológicos. Compreendo que há uma série de evidências científicas e arqueológicas que apontem para a uma veracidade científica e histórica da Palavra -baseado em interpretações viáveis-, mas estou bem aberto a reconhecer que, caso alguma passagem não concorde com a história e a ciência observadas, a filosofia, a teologia e o princípio que estão por detrás da passagem por si só validam o texto -não há nenhuma perspectiva filosófica mais coerente e honesta do que a cristã, reconhecendo a infelicidade e incapacidade do homem, como pode se absorver dos pensamentos de Luis Felipe Pondé em seu livro, Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, da editora leYa.

Fundamento Primeiro: Deus existe
O conceito é muito simples: a matéria é constituída de energia. A energia se desgasta e perde potência com o tempo, conforme mantém a integridade da matéria -a energia é como o combustível de uma máquina em constante funcionamento, porém ela é quem constitui a própria máquina que mantém funcionando. Como a energia é que mantém a integridade dos elementos, as partículas desses elementos e a ligação desses elementos com outros, sua decadência há de se refletir na desorganização, perda de complexidade, da matéria -o motor vai perdendo potência. O Universo material é todo constituído de energia e não há postos de combustível energético em lugar algum que o Universo possa ir, pois a energia está nele, somente, e ninguém pode abastecer-se em e de si mesmo. Por esse motivo, a energia, uma vez gasta, não pode mais ser utilizada. A perda irrecuperável da energia que constitui a matéria e que, por estar presa ao espaço-tempo, não recebe energia de nenhum outro lugar, nos aponta para duas questões: o Universo material é temporal, tendo um início de existência material e, da mesma forma, terá um fim e, se a quantidade de energia sempre decai, a origem do Universo não pode ter se dado de uma fonte de energia nula, vazia -menor do que a quantidade de energia disponível atualmente-, pois, nesse caso, haveria acréscimo de energia, portanto, a fonte original da energia e da matéria decadente do Universo deve ser maior em potencial e quantidade e, além disso, imaterial, superior à matéria conhecida, de modo a não decair, não reduzir-se, a ser eterna. Algo precisa ser eterno, pois, se a fonte da energia e matéria do Universo não o for, ela terá que ter vindo de outro lugar, pois também terá tido um começo e, tal lugar, se não for eterno, terá vindo doutro e assim por diante, numa sucessão infindável que, no final das contas, terá que ser barrada por uma fronteira final, um "algo" eterno e infinito - pois todo o infinito é inconcebível dentro da matéria finita.

Esse "algo" que inevitavelmente está no fundamento de tudo, para ser eterno, obrigatoriamente é maior do que tudo, não estando em nenhum lugar, não estando dentro ou em nada, mas acima, transcendente, não sendo feito de coisa alguma, estando exclusivamente em si mesmo, sendo feito de si mesmo. O que determina a decadência da matéria é o tempo e o espaço, que delimitam limites físicos e temporais para a matéria que se desgasta para se expandir e ocupar espaço, que se desgasta para mantér-se com o passar do tempo. As coisas materiais, por estarem dentro de outras, sofrem diferentes influências e pressões, que as desgastam e modificam: a Terra está no Sistema Solar e, por isso, sofre modificação do mesmo -e o modifica-; a América do Sul está no meio do Oceano, abaixo do Cosmos e sobre o Magma, sofrendo diferentes pressões dessas três frentes; sua casa está em algum lugar da América do Sul, sofrendo interferências do clima local e da cidade ao redor; você está na sua casa, sendo modificado e pressionado por toda a atmosfera derredor, pelo clima, pelas condições locais de vida; seu coração está dento de você, sofrendo com as condições de vida que você leva; numa pequena parte de seu coração há um tecido específico, feito de células específicas, constituídas de moléculas determinadas, formadas por átomos de certos elementos e estes, por sua vez, feitos de partículas subatômicas que, por fim, se constituem de energia - todas as coisas que estão dentro de outras são modificadas por elas e as modificam. O Sistema Solar está na Via Láctea, que se encontra num aglomerado galáctico, que se encontra no Universo e este, que é modificado -decai, se expande...-, há de encontrar-se nalgum lugar. Que lugar é esse? Se uma coisa está dentro doutra e se modifica pela mesma, o lugar onde o Universo está pode ter uma entre duas características antagônicas: ou ele está noutro lugar modificável e, assim, em uma infindável cadeia de lugares que há de terminar num lugar que não se modifica, num modificador não-modificável, ou diretamente nesse "modificador não-modificável". É ilógico crer numa cadeia infinita de lugares materiais quando compreendemos que a matéria obrigatoriamente é finita e, no final das contas, tando em lugar quanto em origem, acabamos chegando na pessoa de Deus - e é à-partir desse ponto que não temos mais muito o que conhecer e saber, pois atingimos a barreira final do conhecimento, a fronteira entre a matéria visível e da qual fazemos parte para a matéria invisível, intocável e da qual não fazemos parte, da qual nada nem ninguém, além dEle mesmo, faz parte e, por isso, essa matéria só é visível e acessível pelo próprio Deus -só Ele é capaz de conhecer plenamente a Si mesmo, 1Timóteo 6:16; 1 Coríntios 2:11.

Fundamento Segundo: o conhecimento de Deus é limitado
Como Deus transcende tudo o que não é Ele, o conhecimento dEle não pode ser obtido nas coisas que Ele criou, que apenas apontam para alguns princípios de Sua identidade. Estudar o móvel que o carpinteiro produz não te dirá muito sobre quem e como ele é, apesar de lhe dar pistas, sendo que a melhor forma de conhecer esse mesmo carpinteiro é procurando-o para um bom papo ou, ainda, ler algo que ele tenha escrito sobre si mesmo - o mesmo acontece com Deus: como nada é maior do que Ele, não há ninguém acima dEle para, observando-O, descrevê-Lo, logo, como só Ele convive consigo mesmo, habita a Si mesmo, se vê de perto, aquilo que Ele nos fala sobre a Sua própria pessoa é o que há de mais sólido e confiável que podemos ter em mãos, porém, como a letra, a matéria, o Universo finito é incapaz de conter a plenitude do Infinito, até mesmo a auto-revelação não consegue demonstrar de modo pleno a identidade do Eterno - é como se aquilo que a Bíblia nos transmite sobre Deus fosse apenas a "ponta do iceberg" e é por isso mesmo que não podemos julgar e questionar a natureza de Deus com base em alguns relatos aparentemente macabros do Antigo Testamento, pois a atitude visível do Criador em determinado evento representa apenas uma mísera fração de tudo o que se passa na infinidade inacessível do mesmo. Como o Universo material não pode suportar a plenitude de Deus, nem todas as Suas atitudes descritas na Palavra parecerão perfeitas, pois Ele simplesmente não pôde desenvolver a Sua plenitude ou a nós só foi visível um pequeno e insuficiente aspecto do todo realizado - você lê Deus matando, mas não sabe o que se passou no espectro invisível desse comportamento.

Além das letras reveladas, Deus pode ser parcialmente conhecido no Universo Criado, pois, embora a Criação que veio de Deus não seja Deus e, por isso, pode ser diferente dEle, Ele não criaria nada que viesse a contradizê-Lo e, embora não consigamos compreender porque algumas coisas contraditórias existem, precisamos aceitar o fato de que a natureza criada, além de caída, é apenas um grão de areia dentro de uma praia inteira de existência, sendo Deus o resto todo e, portanto, não é possível que todo o restante da praia seja revelado ao grão, seja colocado dentro desse único grão de areia, sendo assim, a parte do Todo Perfeito que pode ser revelada ao "grão de areia" acaba não parecendo tão perfeita assim, pois é só "em parte", e a parte não é o "todo" -a Perfeição se encontra no Todo-, portanto, algumas coisas que existem e parecem imperfeitas são apenas frações mínimas que compõem, com o restante do Todo, aquilo que é Perfeito. Isso não está sendo escrito para estimular o relativismo, pois a Palavra determinou, com base na Verdade Absoluta, sólida e pura -que não se contradiz-, que parte da Verdade que é o Eterno e imutável Deus, constituído e um único elemento, que é Ele mesmo, e de uma única natureza, que é a Sua natureza, estipula escancaradamente os princípios de vida aceitáveis e inaceitável.

Vamos esclarecer bem o conceito aqui exposto: como Deus é a instância máxima de tudo, ninguém pode revelá-Lo ao mundo a não ser Ele mesmo -ninguém consegue falar algo coerente sobre o que nunca viu, explicar aquilo que não conhece, e somente o próprio Deus conhece a Si mesmo, portanto, aquilo que Ele nos diz é o que devemos levar em conta. Vamos supor que um artista more há um punhado de décadas em uma torre, da qual nunca sai, sendo desconhecido de todos os que habitam nas redondezas - ninguém nunca o vê e, por isso, ninguém sabe como ele é. Esse artista costuma pintar paisagens, as que vê da janela do último pavimento da torre, e, concluindo a obra, a disponibiliza em seu quintal, porém tais quadros, embora obras dele, não falam quase nada sobre sua fisionomia e jeito de ser, expressando mais a sua existência do que a sua natureza. Se o artista não pode sair da torre, qual é a melhor forma de fazer-se conhecido? Um auto-retrato, pois como somente ele convive consigo mesmo, quem melhor do que o próprio para apresentar-se? Porém, o auto-retrato é muitíssimo inferior ao conhecer cotidiano, visível, percebido pelos cinco sentidos, mas, dentro das possibilidades, é o que há de mais viável -principalmente quando entendemos que Deus simplesmente não pode apresentar-se em plenitude dentro desse Universo finito. Sobre essa impossibilidade, vou reforçar o que já disse anteriormente: o infinito não pode ser concebido, absorvido pelo finito, logo, a sua revelação não poderá ser plena - seria como tentar escrever em letras de tamanho normal a Ilíada, de Homero, em um guardanapo comum: apenas uma parte pode ser revelada, sendo difícil compreendê-la por sua obscuridade, por seu mistério. Seria estranho se o homem conseguisse enfiar em sua cabeça tudo sobre Deus, compreendê-Lo completamente e entender todas as Suas atitudes,  e seria igualmente estranho que todas elas condizessem com os preceitos humanos: tão impossível quanto o homem compreender plenamente o eterno e infinito é que Deus condiga completamente com as percepções humanas, e é justamente aqui que a Bíblia acerta: como Deus, na Bíblia, se apresenta de modo muitas vezes incômodo e incompreensível, podemos ter certeza de que, de fato, esse é o Verdadeiro Deus, não feito à nossa imagem e semelhança, mas único, exclusivo, insondável -diferente de nós, superior! Ele é o que É e nossos critérios de justiça e análise são demasiado limitados para compreender e julgar a Sua sublime natureza. Seria conveniente demais que a Verdade, que é antes e superior a nós, concordasse exatamente com aquilo que mais almejamos, não é mesmo?

Dentro desse tópico, nos termos referentes aos níveis de relevação de Deus, limitados pela finitude do Universo e pela imperfeição, conseguimos compreender melhor Deus no Antigo e no Novo Testamento: como o Eterno Criador não pode revelar-Se de modo pleno no Universo limitado e temporal, num dado momento histórico o Seu aspecto guerreiro e julgador foi favorecido e, noutro, o Seu aspecto amoroso e salvador o foi, mas, por quê? É aqui que entra a mais plena das auto-revelações do Eterno: Jesus Cristo! Esse é o auto-retrato perfeito do Perfeito Criador - Deus é perfeito e Seu relacionamento com um mundo imperfeito há de ser áspero e torturante para ambos os lados, porém em Cristo, sendo perfeito em respeito à ausência de impurezas, à ausência de traços da Queda, as coisas mudaram um pouco, o atrito do Criador com o mundo passou a produzir menos faíscas e a ser menos desgastante já que, com o Filho feito em carne, finalmente algum traço de perfeição foi reinserido na Criação - foi como óleo nas engrenagens.

"Verdadeiramente, tu és Deus misterioso", Isaías 45:15; "EU SOU O QUE SOU", Êxodo 3:14; "Ouçam, todos os povos; prestem atenção, ó terra e todos os que nela habitam; que o Senhor Soberano, do seu santo templo, testemunhe contra vocês. Vejam! O Senhor já está saindo da sua habitação; ele desce e pisa os lugares altos da terra. Debaixo dele os montes se derretem como cera diante do fogo, e os vales racham ao meio, como que rasgados pelas águas que descem velozes encosta abaixo." Miquéias 1:2-4; "Santo, santo, santo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir". Apocalipse 4:8.

Fundamento terceiro: se a auto-revelação de Deus não pode ser plena, a Bíblia não é perfeita
A Bíblia é a auto-revelação de Deus ao mundo, mas isso não significa que ela seja perfeita. Uma das mentiras mais cômodas e, ao mesmo tempo, destrutivas da história da igreja é essa alegação infundada de que não há erro algum na Bíblia, pois as pessoas, ao afirmarem isso ao mundo, não percebem que o leitor secular certamente encontrará algumas contradições e, com base nelas, dirá que o cristianismo é uma farsa. Precisamos aprender a conviver com a possibilidade de a Bíblia apresentar alguns erros, mas é necessário que reflitamos sobre os mesmos e sua natureza antes, para não nos precipitarmos. Primeiramente precisamos entender que existem duas esferas na Palavra: uma que parte do autor humano e relata percepções históricas e teológicas e outra, nas entrelinhas, que parte do próprio Deus, o autor indireto e discreto das Escrituras por meio da inspiração. Por esse motivo, a Bíblia continua sendo a Palavra de Deus  mesmo se houverem erros na primeira esfera, a que se refere ao trabalho humano, porém, nos princípios eternos injetados por detrás do texto, na esfera divina, não pode haver erro algum e, felizmente, a maioria dos erros encontrados na Palavra se dão na primeira esfera. 

Reforçarei: a Bíblia foi escrita e organizada por homens e isso a põe numa posição passível de precipitações e falhas. Deus, que criou o homem para um relacionamento com Ele, não poderia simplesmente obrigar os seres humanos a escreverem a Bíblia, possuindo-os e, em transe, fazendo-os escreverem involuntariamente -seria mais fácil fazer como com as primeiras Tábuas da Lei: o próprio Deus esculpir o texto em pedra e entregá-lo aos homens. Deus, sendo transcendente, eterno e infinito, queria, de alguma forma, fazer-Se entender pelos homens e, para tal, nada melhor do que permitir que os próprios seres humanos escrevessem livremente sobre Ele, por isso, sem anular as imperfeições e limitações humanas, Deus usou dos seres humanos como escritores e organizadores da Sua Mensagem. A facilidade atemporal de compreensão de um texto escrito por mãos humanas, porém, tem um preço: influências da falta de conhecimento e habilidade de escrever de alguns, da cultura de outros, do período histórico, da classe social... Com isso, a Palavra tornou-se fruto das mãos de mais de quatro dezenas de autores, espalhados por três continentes, separados por mais de 1,5 mil anos e pertencentes às mais diversas classes sociais, tornando a primeira esfera das Escrituras, a legitimamente humana, muito heterogênea, cheia de estilos literários, cheia de diferentes influências culturais e históricas e, inclusive, hospedeira de erros. Diz-se que, nos manuscritos antigos, há mais de 300.000 erros, porém sabe-se que quase todos esses erros são meramente gramáticos, não contradições, sendo que o copista, provavelmente exausto, pulou uma linha, esqueceu de uma palavra, escreveu uma palavra errada -diz-se que o apóstolo Pedro errava bastante ao escrever, sendo um mero camponês, pescador, da Galiléia.

Existem diferentes formas de relevação de Deus aos escritores bíblicos e algumas dessas formas estão mais passíveis de erros -e tais são mais aceitáveis- do que as outras: alguns autores simplesmente fizeram registros históricos de sua nação e das atitudes de Deus observadas -Livros Históricos-, outros tentaram expressar e compreender aquilo que viram acontecer e que viram Deus fazer, procurando explicações, expressando seus sentimentos, questionando, usando Deus como inspiração -Livros Poéticos- e outros, por fim, receberam revelações diretas do Pai -Pentateuco, Livros Proféticos-, sendo estas mais voltadas para profecias que, por sinal, são muitíssimo precisas, e leis. No relacionamento que Deus espera desenvolver com os homens há espaço para a criatividade humana, para a expressão de percepções e sentimentos, para a tentativa de compreender o Criador, e a Bíblia é, em parte, resultado dessa liberdade -não havia necessidade de Deus interferir nessas questões, enquanto no que se refere à profecia havia. Há espaço para erros nos relatos históricos do Antigo Testamento, pois são, acima de tudo, registros históricos da corte de Israel -felizmente os livros históricos do Antigo Testamento são bem fundamentados e consolidados pela arqueologia-, também há espaço para diferentes posicionamentos e visões, para erros nas partes referentes à expressão de experiências e percepções individuais dos autores poéticos do Antigo Testamento, porém, quando Deus tomava a palavra através dos profetas, aí o erro deve inexistir. Nos textos históricos e poéticos conseguimos compreender pequenos aspectos da natureza de Deus, pois tratam-se de homens observando e tentando descrever o Deus que vêem em ação, porém o Pentateuco, os livros Proféticos e os Evangelhos representam as falas do próprio Deus e esse é o cerne da auto-revelação bíblica - o fato de essa auto-revelação não entrar em contradição com os demais textos demonstra a unidade da Palavra e a confiabilidade das duas esferas principais (auto-revelação e percepção humana), que se complementam e sustentam, evidenciando que, no final das contas, houve um cuidado do próprio Pai em orientar a confecção dos documentos, protegendo-os de erros no aspecto divino, na esfera dos princípios eternos.

Das contradições bíblicas há algumas categorias que se sobressaem, sendo a mais comum as variações numéricas, tendo um texto citando determinado número e outro, doutro livro, mas referente ao mesmo evento, citando um número diferente. De modo geral esses erros numéricos se devem ao esquecimento ou acrescentar de um zero num dos números, erro originado com algum dos autores originais ou por conseqüência da falha de um dos copistas posteriores. No mais, os números, para os judeus antigos, não tinham a intenção de serem extremamente precisos: ninguém era capaz de contar, por observação, quantos soltados inimigos havia no campo de batalha, por exemplo, estipulando um número aproximado, ou simbólico, portanto, uma diferença numérica não altera a mensagem -1 Samuel 8:4 e 1 Crônicas 18:4 (o 7 é o número que indica a perfeição para os judeus e, portanto, dizer que Davi derrubou 700 ou 7000 significa, apenas, que fez um trabalho assombroso). Outra categoria de erros está no diferente relato sobre o mesmo evento, como ocorre em 1 Samuel 31:4 e 2 Samuel 1:4-10: no primeiro temos Saul, emboscado, pedindo para que seu soldado o mate, porém isso lhe é negado, levando-o ao suicídio, e, no segundo, vemos um homem afirmando ter matado Saul, o que parece contraditório. Analisando os textos e compreendendo serem do mesmo autor, chegamos a uma conclusão que parecia óbvia para o mesmo, que nem se deu ao trabalho de escrever qual dos relatos era mentiroso: o primeiro parece verdadeiro e, depois de morto, Saul foi visto por um indivíduo ganancioso, que ansiava por prestígio e, por isso, compareceu diante de Davi com uma mentira pronta, esperando ser recompensado pelo inimigo do rei morto - mas sua mentira o levou à morte. A variação nos relatos bíblicos pode partir de três fontes fundamentais: os diferentes autores receberam a informação de pessoas diferentes, o mesmo autor esperava que o leitor compreendesse o texto sem necessitar de explicações, ou, ainda, os diferentes autores que vivenciaram o mesmo evento o perceberam de modos diferenciados e relataram aquilo que viram, absorveram e lhes veio à mente, geralmente complementando-se entre si. O importante, no final das contas, não é se o texto apresenta ou não alguns erros superficiais, mas, sim, se a sua mensagem principal, o princípio teológico intrínseco no relato, permanece intacto. Se compreendemos a História da Redenção ao longo das narrativas, poesias e relatos bíblicos, a Palavra está cumprindo sua função primordial que, muito antes de desejar ser científica e história, propõe-se a ser filosófica e teologicamente coerente.
Observação: como até hoje existem essas evidentes incoerências, discrepâncias na Bíblia, podemos deduzir que a Igreja nunca planejou alterá-la para se tornar mais aceitável e isso, por fim, prova que o texto bíblico prossegue fiel ao original.

Como saber se a Bíblia dos primeiros cristãos continua sendo a mesma que temos atualmente?
Para responder a essa comum questão, utilizar-me-ei da resposta que dei a um amigo quando me fez essa mesma pergunta:

 "Uma das minhas dúvidas é em relação à Igreja Primitiva e sua transformação em Igreja Católica pelos imperadores Constantino e Teodósio: você não acha que pode ter havido algum tipo de interesse político por trás disso tudo? E para isso alguma forma de adulteração da Bíblia?”
O nome, em si, não alterou a instituição, pois o termo “católico” simplesmente refere-se a “universal”, ou seja: “a igreja do mundo”, “a igreja do Império”. As grandes diferenças dos tempos da Igreja Primitiva para o da Igreja Católica são: ausência de apóstolos –todos haviam morrido-, fortalecimento dos Pais da Igreja –já existiam antes e continuaram surgindo por mais algum tempo, foram os intelectuais que, sucessores dos apóstolos em termos de liderança, organizaram o cânon e desenvolveram a teologia cristã-, ausência de perseguição oficial do Império aos cristãos –agora os cristãos teriam direito legal de existir- e, por fim, um apoio estatal para a existência e o crescimento da Igreja –a religião, então, não maior, mas preferida do Imperador.

Fontes mais seculares –aquele ramo da história que faz questão de criticar o cristianismo-, podem alegar que Constantino aderiu a fé em Cristo por mera politicagem e medo dos cristãos –que constituiriam uma grande fatia da população do Império-, porém isso não é verdade –não completamente. Primeiramente, os cristãos, quando o imperador oficializou o cristianismo, eram apenas uma pequena parte da população, espalhada por vários territórios, porém sem muitos adeptos –nem poder político. Parece improvável que Constantino tenha achado o cristianismo tão necessário -e ameaçador- para aderi-lo apenas por conveniência. Os imperadores que o antecederam sempre perseguiram o cristianismo não por medo do número de cristãos, mas pelo comportamento dos mesmos: negavam servir ao exército, pois os saldados romanos deveriam adorar a deusa Mitra, se não me engano, também tinham dificuldades com a cultura de glutonaria, bebedices, orgias e nudismo que emanava das mansões e termas romanas/gregas – é lógico que sentiam-se afrontados ao verem um pequeno grupo constituído inicialmente por camponeses pobres e ignorantes se contrapondo a uma religião de aristocratas e milênios de idade. O que absorvi dos livros Os Cristãos, Tim Dowley, e Uma Breve História do Cristianismo, Geoffrey Blainey, é que Constantino realmente se converteu a Cristo, de modo a se comportar de forma incômoda para muitos dos generais, líderes políticos e religiosos de seu governo –inclusive a mãe de Constantino se converteu. Embora pareça mítico, o relato de que Constantino venceu a guerra contra seu rival, Mexênico, por ter depositado a confiança no Deus cristão, parece um motivo bem razoável para sua mudança de comportamento repentina – e que, por ver que o Deus cristão o favorecia, decidiu alimentar com riquezas e prestígio a igreja desse Deus, para continuar recebendo mais de Seus favores.

É claro que houve algum interesse político no oficializar do cristianismo, segundo li no Uma Breve História do Cristianismo, por exemplo: os cristãos, em sua conduta de amor, pelo fato de ajudarem os pobres e doentes, pelo fato de aceitarem e se unirem a todos os povos, raças e culturas, constituíam um povo querido por boa parte da população civil do Império Romano, já que os viajantes de longe poderiam se hospedar e comer em uma igreja, os pagãos necessitados teriam seus ferimentos sarados... Nem todo o povo favorecia os cristãos, logicamente, mas diante de um império instável e em processo de divisão e queda, os antecessores de Constantino e o próprio começaram a perceber que seria lucrativo investir no cristianismo, como sendo uma religião com grandíssimo potencial de unir, de produzir uma liga entre os diferentes povos e culturas imperiais. Sendo esse o objetivo da maior aceitação dos cristãos, entendemos que esses imperadores não devem ter procurado modificar a Bíblia, pois se os cristãos eram eficientes unificadores com a Bíblia que possuíam, seria burrice mudá-la.

Outro ponto que quero destacar é que a Bíblia nunca pertenceu a imperadores, sempre foi propriedade exclusiva da Igreja. Com base no livro Os Cristãos, entende-se que a Bíblia como a conhecemos estava pronta bem antes de Constantino, bem antes de o cristianismo ser visado como algo com alguma utilidade e valor –nos tempos em que se tratava de uma religiãozinha no meio de colossos milenares (religiões egípcia, grega e romana): antes de haver a formação oficial do cânon bíblico –a lista dos livros inspirados-, a maioria dos cristãos já entrava em consenso sobre o que era de procedência divina e o que não era –do livro Por Que Confiar na Bíblia, Amy Orr-Ewing. Com a quantidade de apócrifos e heresias que estavam se levantando, as autoridades da Igreja no início da Era Cristã tomaram a decisão de selecionar uma série de documentos e formar o cânon bíblico, para evitar confusões: eles, com base em estudos e testemunhos, tomaram as epístolas do Novo Testamento que tivessem procedência apostólica autenticada ou de algum autor dos tempos de Cristo ou dos apóstolos e que teve alguma ligação direta com algum deles – existem vários “evangelhos”, mas quatro são considerados autênticos, pois concordam quase completamente entre si, entendendo que o de Mateus fora escrito por um apóstolo, Marcos foi escrito por João Marcos, companheiro de Paulo e Barnabé e amigo de Pedro, de quem provavelmente recebeu o relato de Cristo, João, como sendo escrito por um apóstolo, e Lucas, escrito por um médico que fez uma verdadeira viagem de estudos para coletar informações sobre a vida de Cristo –informações que concordam com os demais Evangelhos. A autenticidade desses documentos se deu, num primeiro momento, da parte dos próprios autores, enquanto viviam, e se manteve através das divulgações dos discípulos desses homens e pelos demais cristãos, que num momento viram tais apóstolos pregando – e sabiam da existência e dos ensinamentos de Cristo, antes de tudo, pela transmissão oral. Com base nisso, verificou-se quais epístolas mereciam entrar no cânon: elas precisavam concordar com os Evangelhos. Paulo tinha autoridade apostólica reconhecida em toda a Igreja e seus dizerem não contradiziam as propostas fundamentais de Cristo e, portanto, com base em afirmações do próprio autor, de seus amigos, das igrejas que ele fundou, da análise de seu estilo de escrita e gramática, foram unidas as cartas paulinas. Tiago, que escreveu sua carta como um líder da Igreja na época, já tinha autoridade apostólica como irmão de Cristo e seu texto foi logo aceito, assim como as cartas de Pedro, João e Judas –esse último, outro irmão de Jesus. Hebreus demorou um pouco mais, pela ausência de autoria, mas foi aceita por seu conteúdo coeso e aceitação geral dos ouvintes originais. Apocalipse foi aceito por sua autoria vagar entre o apóstolo João ou o Patriarca da Igreja de Éfeso, um grande líder da Igreja na época. Dever-se-ia rejeitar cartas com assinaturas falsificadas, autoria não apostólica –ou respeitável-, mensagem contradizentes ou desnecessárias –pois havia muitos inimigos da fé cristã, hereges e pessoas buscando fama.

No final do séc. I os 4 Evangelhos já estavam unidos num volume, as cartas de Paulo agrupadas e o livro de Atos. Por volta de 180 d.C. Irineu, discípulo de Policarpo (um mártir), que, por sua vez, fora discípulo do apóstolo João, reconheceu a autoridade canônica dos 4 Evangelhos, Atos, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses,1 e 2 Timóteo, Tito, 1 Pedro, 1 João e Apocalipse. Uma lista muito antiga do Novo Testamento, chamada de “fragmento muratoriano”, considerava os 4 Evangelhos, Atos, as nove epístolas de Paulo às igrejas e suas quatro epístolas pessoais, Judas, 1 e 2 Pedro, 1 e 2 João e Apocalipse –e Pastor de Hermas, um bom livro, mas não tão digno. Orígenes, por volta de 230 d.C. elaborou sua lista e Eusébio de Cesareia, no início do séc IV d.C. também o fez. Em 367 d.C. temos a primeira lista que contém os 27 livros do Novo Testamento, com base nas definições de Atanásio, bispo da Igreja de Alexandria – mais tarde Jerônimo e Agostinho citaram os mesmos livros. Quando a Igreja foi reconhecida pelo estado, pôde se organizar e convocar abertamente os tão importantes concílios – como o de Hipona (393 d.C.) e o de Cartago (397 d.C.), que definiram perpetuamente o Novo Testamento. Com base nesse raciocínio, entendemos que a Bíblia não foi adulterada – lembrando que o Antigo Testamento como é hoje já estava definido pelos judeus por volta de 137 a.C. e que os apócrifos acrescentados a ele – Bíblia Católica – se deram no século XVI, por advento da Contra-Reforma.

A análise de manuscritos antigos do Novo Testamento –são cerca de 24 mil nos primeiros séculos da Era Cristã, 14 mil dos tempos das Igreja Primitiva, escritos em variadas línguas, alguns 50 anos mais velhos que os originais (os Pais da Igreja citaram o Novo Testamento mais de 86 mil vezes em seus documentos)- em comparação com a Bíblia que temos hoje nos leva a perceber que a Palavra atual é 95% igual a que os primeiros cristãos tiveram –existem algumas variações em manuscritos antigos e alguma perda nos processos de tradução, mas a essência permanece, principalmente se considerarmos que versões como a NVI não foram traduzidas de linguagens mais modernas, mas diretamente dos manuscritos antigos de que dispomos. -Fontes: Os Cristãos, Tim Dowley, Por que Confiar na Bíblia, Amy Orr-Ewing, Uma Breve História do Mundo, de Geoffrey Blainey, Uma Breve História do Cristianismo, Geoffrey Blainey.

A Bíblia é científica?
Responderei essa pergunta sem falar mais sobre a necessidade de Deus, mas utilizando-me de uma resposta que dei ao amigo já citado sobre a seguinte questão, verifique os princípios da mesma: "O que você pensa sobre a questão da idade da terra?"

Sobre a Idade da Terra, bom, eu não tenho um posicionamento muito determinado, pois essa é uma questão que não é de interesse vital. Não entendo que a Bíblia determine uma idade recente, mas não imagino que pregue uma idade muito vasta. Os 7 Dias da Criação, com base numa análise de Gênesis 2, parecem se tratar de Dias Era, sendo assim, cada período pode ter levado algumas dezenas de milhares de anos e os seres podem ter surgido aos poucos, criados prontos ou destinados a uma evolução gradativa, organizada por Deus. Entendo que não há registro fóssil que suporte a Teoria da Evolução da forma como é pregada, por isso fico nesse meio-termo: pode ter acontecido, mas se não aconteceu, melhor. De qualquer forma, quando acreditamos num Dilúvio e na Arca, compreendemos que é necessário que exista um processo de multiplicação de raças e adaptação, pois na Arca teriam sido salvas apenas espécies fundamentais, para que, posteriormente, viessem a se diversificar. Também compreendo que muito do que existe em Gênesis pode ter sido apenas figura para representar uma verdade divina - com base numa série de estudos e leitura de livros de arqueologia bíblica, compreendo que o dilúvio realmente aconteceu e que outros eventos de Gênesis, como a queda de Sodoma e Gomorra, realmente ocorreram, mas não fecho a minha mente para essa outra possibilidade. Sobre as genealogias bíblicas que dariam soma de 6 mil anos de humanidade, compreendo que há precipitação: era comum, no passado, alguém considerar-se filho de um antepassado importante, como, por exemplo, Cristo ser chamado de filho de Davi, sendo que Davi existiu uns mil anos antes. Era comum registrar em genealogias apenas os nomes mais importantes e compreender que alguém nascido três gerações depois de uma figura importante, seria filho dessa figura, portanto, entre Enoque e Matusalém, por exemplo, sendo que um é tido como filho do outro, pode ter havido um espaço de gerações -"Enoque -> (?) -> (?) -> Matusalém", pois era desnecessário citar os nomes menos relevantes. Por isso eu, particularmente, com base num equilíbrio entre evidências de uma Terra Antiga e uma Terra Jovem, creio que a humanidade possa ter tido cerca de 10 mil anos antes do Dilúvio -e a Terra, antes da humanidade, possa ter sido outras dezenas de milhares de anos.

Fundamento quarto: o que realmente importa
A Bíblia pode ser considerada um livro de ciências, história, filosofia, poesia e romance, mas nem tudo o que há nela é ciência, nem tudo o que há nela é história, filosofia, poesia ou romance, portanto, não posso submeter todos os textos aos mesmos critérios de análise, por exemplo: a poesia que encontro em Jó não deve ser analisada do ponto de vista científico e o relato histórico de 1 e 2 Reis não me parece muito poético. A questão, no final das contas, entendo que a mensagem, o objetivo central da Bíblia, não é científico, histórico, filosófico ou literário, mas, sim, a transmissão de uma mensagem salvífica para um mundo que sofre sem saber a origem desse sofrimento e que procura uma solução para o mesmo sem ter ideia de onde ir para encontrá-la e, para tal, Deus pode tanto ter usado da história, da ciência, da poesia ou da filosofia, Deus pode ter usado de textos que se encaixam em todas essas categorias. A questão é, compreendendo o objetivo primordial e sua validação pela simples observação de mim mesmo e da sociedade que me cerca, que, mesmo que a Bíblia não fosse histórica, seus relatos "históricos" serviriam de figuras excelentes para a demonstração de princípios teológicos; mesmo que a Palavra não fosse científica, viria nos princípios e conceitos eternos inseridos nas passagens relativas às Origens verdades muito úteis para a resolução de questões problemáticas em minh'alma; mesmo que as Escrituras não tivessem fundamento filosófico, viria na veracidade histórica e científica seu alicerce, mas, ainda mais, constataria sua validade pela vivência diária. Sei que, independentemente da ciência e história por detrás do Texto Sagrado, sejam seus relatos meras ilustrações e parábolas -ou não-, os princípios filosóficos, teológicos... os princípios de vida, em termos de relacionamento, política, sentido para a vida, mirante do cotidiano, a validam como Verdade inquestionável e inescapável! Sei que não há obra mais coerente, sei que, existindo um Ser Eterno no fundamento de tudo, a Bíblia é a documentação escrita por homens que mais perto chegou desse Deus -e, pelas evidências históricas, científicas, profundidade teológica e filosófica, há de ser fruto da própria, e misteriosa, mente divina!

Natanael Pedro Castoldi

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