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Idade das Trevas?

Comumente se denomina o período de supremacia cristã na Europa como “Idade das Trevas”, porém da maioria das pessoas não sabe que o termo “Idade das Trevas” não é uma alusão direta à Igreja medieval, mas, sim, ao período em que os povos bárbaros se deslocaram pela Europa Ocidental, migrando e guerreando, de modo que levaram a organização política e o conhecimento do Império Romano ao declínio, estabelecendo um cenário de ignorância e fragmentação – quando, senão pelo esforço eclesiástico, a cultura heleno-judaico-romana teria se extinguido para sempre, ou, pelo menos, se tornado inacessível. Fonte: O Cristianismo Através dos Séculos, Earle. E. Cairns, pg 104-105. Mas, ainda assim, períodos de negridão se deram durante os tempos de domínio da Igreja Católica Romana... o que nos resta saber é: o quão negros eram os dias medievais? Sobre ciência e tecnologias medievais há outros tópicos, quero, aqui, ser específico em relação ao cotidiano. Tomei como base também outra fonte: Coleção Grandes Guerras, Revista Aventuras na História, 8ª Edição, pg 14: “Quando a organizada sociedade da Roma imperial ruiu, substituída por reinos germânicos incivilizados, a violência explodiu e se tornou uma das poucas moedas presentes em todas as sociedades da Europa ocidental.”

Resumo do que segue, em ordem: higiene, liberdade, alimentação, infância e vida privada.

- Questão de higiene: o modo de vida medieval, por se tratar do arranjo da cultura herdada dos romanos com o estado mais primitivos dos bárbaros, isso somado à falta de estrutura advinda do caos inicial da Idade Média, é considerado “sujo” aos nossos olhos – lembrando que, apesar de tudo, o homem é fruto de seu tempo. No mais, é comum se associar a disseminação das terríveis epidemias medievais, como a Peste Negra, 1347, à precariedade das cidades europeias e, sobre isso, só preciso me basear na página 16 da Revista BBC História, Volume 4: regiões de densa população, como a Boêmia ou a Itália, foram pouco afetadas, enquanto terras muito menos povoadas, como a Groenlândia, foram devastadas. É claro que isso não responde adequadamente, mas nos leva a entender que o estilo de vida medieval não tinha tantas implicações sanitárias quanto se supõe.

- Questão de liberdade: o sistema feudal, em parte fruto da fuga da aristocracia romana nos anos das investidas bárbaras contra a capital, em parte fruto da fragmentação política resultante do avanço desses mesmos bárbaros, mantinha a sociedade medieval em certa estabilidade – e estagnava o crescimento. Com as Cruzadas o comércio se abriu, o conhecimento clássico preservado –e ampliados- nas mais antigas e tradicionais cidades cristãs –islamizadas- tornou-se melhor acessível e, através da morte massiva de cavaleiros e nobres, o povo, a plebe, recebeu maior destaque. Até mesmo a Peste Negra refletiu em melhorias: destruindo 1/3 da população da Europa (34 milhões), tornou a mão-de-obra escassa, colocando os camponeses em posição de exigir maiores condições de crescimento e liberdade – além disso, a escassez de trabalhadores levou a melhorias nas tecnologias empregadas no trabalho, de modo a preservar melhor as vidas em jogo e reduzir a necessidade de mão-de-obra. Fonte: Revista BBC História, Idade Média, pg 13.

- Alimentação: é claro que existiu fome na Idade Média! O sistema de produção, junto com o aumento populacional e desastres climáticos, várias vezes se combinaram para configurar situações calamitosas, como ocorreu nos anos entre 1315 e 1317, onde uma Europa superpovoada –já que se diz que a Peste de 1347 chegou num continente superpovoado- viu-se mergulhada na maior crise alimentícia de sua história – inundações, atraso no amadurecimento dos frutos e um inverno terrível cooperaram. Nesse período o preço dos alimentos subiu estonteantemente – a massa do pão chegou a receber excremento de pombo para render mais. Nalguns locais, por meio de pestes, mais de 70% dos rebanhos morreram e o povo, faminto, alimentou-se da carne dos animais mortos, proliferando as doenças – casos de canibalismo não foram incomuns. Esse caos, porém, não era geral e perene, em oposição ao que se entende comumente sobre o assunto. Fonte: Coleção Grandes Guerras, Revista Aventuras na História, 8ª Edição, pg 51. O cotidiano medieval, em seu estado normal, era diferente – e, lógico, ainda existia fome. 
Os mercados medievais são um ótimo exemplo de como se podia comer razoavelmente bem na Idade Média (digo isso em comparação com a extrema miséria descrita nos livros de história). Numa feira de uma cidade razoável, com 3 mil habitantes, que poderia ter a população dobrada em dias de movimento, era possível achar, por exemplo, mais de 150 tipos de pescado. Vendia-se de tudo: produtos manufaturados em geral, como peles, tecidos, panelas ou roupas, todo o tipo de vegetal, frutos, pratos preparados, bebidas, carnes em geral, temperos. As feiras também possuíam sistemas de lei que podiam conter entre 40 e 70 normas comerciais, para evitar má fé da parte dos comerciantes, que eram multados mediante os delitos. Não só os nobres tinham acesso ao alimento necessário para a sobrevivência: os camponeses do sistema feudal, embora explorados, recebiam o necessário para viver, além da segurança do castelo – se os burgos surgiram com os excessos de produção camponesa e uma forma de aumentar a renda, é porque em tempos de clima bom até os camponeses viam fartura. Fonte: Revista BBC História, Idade Média, nº 4, pgs 34-37. Vale lembrar que, embora pouco, praticamente todos ganhavam algum tipo de salário – e para os miseráveis e inválidos, centenas de mosteiros cristãos estavam abertos. Não podemos dizer que a vida na Idade Média era boa, mas é possível afirmar que não era “péssima” – as condições do pobre da Roma Clássica ou das primeiras décadas da Revolução Industrial não eram muito diferentes do vislumbrado na Idade Média. Fonte: Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo, Leandro Narloch, leYa, 2013, pgs 17-18 e 90-112.

- Infância: comumente se diz que não existia infância na Idade Média, mas a verdade é que talvez as crianças tiveram mais espaço na Europa Medieval do que em qualquer período pré-cristão. 
a – Tempo para ser criança: na Idade Média costumava-se sair de casa para trabalhar ou morar fora por volta da puberdade, havendo muito tempo de infância antes disso.
b – Uma cultura própria: as crianças medievais tinham uma cultura própria, como observou o escritor inglês John Trevisan, em 1398: “os mais jovens apreciam as conversas e conselhos de pessoas de sua idade e se esquivam da companhia dos mais velhos.”
c – Um período determinado: os adultos tinham consciência da infância, não da palavra “infância”, mas da importante fase de pequenez. A infância era uma das “idades do homem”. Os dois pilares da sociedade da época, Igreja e Direito, faziam clara distinção entre a infância e a fase adulta, sendo a maioridade atingida entre os 12 e 14 anos –lembrando que a longevidade do período era menor.
d – Mortalidade: sim, muitas crianças morriam na infância, mas os números não eram muito diferentes dos óbitos observáveis no início dos tempos modernos. De qualquer modo, é sabido que os pais geralmente sofriam com a morte de seus filhos. O valor dado às crianças, mesmo mortas, pode ser verificado em relatórios legistas, não raramente apresentando detalhes incisivos, assim como era com os adultos mortos. 
e – Exceções: quando a criança cometia um crime ou pecado, normalmente recebia um tratamento diferente do que recebiam os mais velhos. Havia maior tolerância para com os pequenos. 
f – Preocupação: existem vários registros de pais que viajaram longuíssimos percursos atrás da cura de seus filhos, atrás de milagres, sacrificando-se severamente em nome da sobrevivência dos pequenos. 
g – Universo infantil: nos documentos medievais podem ser encontradas rimas, charadas e músicas infantis. Boa parte das crianças estudava em escolas infantis – hoje temos documentos dos pequenos, confeccionados enquanto eram alfabetizados e estimulados a relatar aquilo que mais lhes dava gosto, como músicas, charadas e trava-línguas. 
As crianças medievais brincavam com bastante frequência. O poeta John Lydgate, no século 15, mencionou atividades como corrida, saltos, cantorias, danças, brigas, lançamento de pedras, hóquei, closh (semelhante ao críquete), duas modalidades de dados, xadrez, gamão e quek, entre outros. Até calendários de brincadeiras existiam: em novembro e dezembro era tempo de se fantasiar e pedir prendas; o inverno era reservado para jogos com bola; a quaresma era reservada ao jogo de pião. 
O criador do primeiro dicionário de inglês, Geoffrey, pensou num livro que pudesse ser lido até mesmo por crianças e, por isso, incluiu nomes e objetos de brincadeiras infantis em suas páginas.
Havia, inclusive, movimentação comercial entorno dos brinquedos infantis: no início do Século XIII, bonecos de cavaleiros (feitos em massa) eram o sonho das crianças londrinas; logo depois vieram as miniaturas de objetos domésticos.
A infância, ainda, foi retratada em obras de arte: há quadros de crianças brincando, como fez Pieter Bruegel. Os retratos continham, além das atividades já citadas, duelos com lanças de brinquedo, isso a pé ou sobre cavalos de madeira, e uma brincadeira parecida com a “cabra-cega”.
Outro aspecto interessante na infância medieval foi a literatura infantil, encontrada pela primeira vez no final da Idade Média. William Chaucer foi o pioneiro, tendo escrito o livro O Astrolábio, 1391, para seu filho Lewis, que tinha dez anos de idade – posteriormente escreveu Contos da Cantuária, sucesso entre os adolescentes. Durante o Século XV foram lançados pequenos manuais de etiqueta à mesa, boas maneiras e caça, coleções de provérbios... Surgiram até história protagonizadas por criança, como o Cavaleiro Cisne e O Frade e o Garoto. Fonte: Revista BBC História, Idade Média, nº 4, pgs 24-29.

- Vida privada: lendo o livro Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo, Leandro Narloch, leYa, 2013, pgs 40-51, podemos ter noções claras sobre a liberdade sexual na Idade Média: cintos de castidade não existiam no período, casais se juntavam antes do casamento, era comum que famílias inteiras fossem encontradas correndo nudas, ou semi-nuas, nas ruas, indo ou voltando das casas de banho (sim, as pessoas tomavam banho na Idade Média), incesto e prostituição não eram, na prática, oprimidos, tampouco as crianças eram poupadas de palavrões ou de ouvir histórias indecentes, e, por fim, é mito que a noite de núpcias era passada com a noiva e o senhor feudal. Não concordo com tudo isso, obviamente, mas é interessante notar que havia, sim, liberdade sexual na Idade Média - a onda de pudor e decência veio mais com o advento da Reforma Protestante, que pregava uma prática integral dos ensinamentos bíblicos e, portanto, um comportamento reservado nas questões sexuais.

Natanael Pedro Castoldi

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