Recentemente li sobre o incrível achado arqueológico do Evangelho de Marcos em uma máscara de múmia. O documento foi datado como procedente dos anos 80 ou 90 do Primeiro Século. Essa magnífica descoberta, que chegou a me dar aquele frio na barriga - publicada no EOMEAB sob o título "A Evidência Definitiva do Evangelho no Primeiro Século" -, fez-me lembrar de um documentário que assisti há alguns anos sobre supostos fragmentos de manuscrito neotestamentários de antes de 68 d.C.: Testemunho Ocular de Jesus, Discovery Channel, apresentado por Matthew d'Ancona, 1998, 2005. O artigo toma como fonte esse documentário - recomendo cautela na leitura das informações.
Segue o documentário "Testemunho Ocular de Cristo". Depois, leia o restante do artigo.
Três manuscritos de Mateus guardados em Oxford fornecem
provas de que os evangelhos foram escritos e lidos por pessoas que vieram
Jesus, uma vez que provavelmente são da década de 60 d.C. Eles apresentam trechos do capítulo 26 de Mateus, com 6 frases em grego. Num dos pedaços, está
descrita a unção de Cristo com unguento, por Maria Madalena, no outro, o
encontro de Judas Iscariotes com o sumo sacerdote, e por fim, parte do relato
da Última Ceia, quando Jesus firma que um dos presentes iria traí-Lo. O consenso é que o período
do testemunho ocular de Cristo termina por volta do ano 70
d.C., ano da destruição do Templo de Jerusalém e da dispersão dos cristãos.
Carsten Thiede, papirologista e arqueólogo alemão, analisou esses fragmentos, conhecidos como Papiro de Jesus, com a mais sofisticada tecnologia de análise e datação, mas o carbono radioativo, com uma margem de erro de 50 anos, se apresentou impróprio. O melhor método de
datação foi o uso de recursos antigos, não modernos: a comparação desse documento
com outros materiais antiquíssimos, que possuem caligrafia semelhante e data
conhecida – quanto mais textos forem comparados, mais confiável é o resultado
da datação. Os principais manuscritos que Thied utilizou foram encontrados na
Palestina, em Nahal Hever, Qumran, Massada e outras localidades.
1 – Nahal Hever, Caverna dos Horrores: em 1955 foram
encontrados nesse local manuscritos que ajudaram Thiede a datar o Papiro de
Jesus. Sua história começa em 135 d.C., quando os judeus se rebelaram contra a ocupação romana, tentando expulsar os romanos da Terra Santa, mas acabaram sendo repelidos com um saldo
negativo de mais de meio milhão de mortos. Os rebeldes que sobreviveram se
refugiaram na Caverna dos Horrores, em Nahal Hever, onde ficaram por vários
meses, culminando em uma derrota definitiva. Mortos de fome e sede, os rebeldes
deixaram na caverna, além de ossos, seus pertences, incluindo manuscritos –
nenhum podendo ter sido escrito depois de 135 d.C., ano de suas mortes. A caverna permaneceu intocada por milênios.
Um dos manuscritos por eles deixados na caverna pertencente ao rolo dos Profetas
Menores. Esse documento, de caligrafia anterior ao ano 135 d.C., apresentou notáveis
semelhanças de escrita com o Papiro de Jesus – letras retilíneas e verticais e
sem pontuação ou espaço entre palavras, além de caracteres específicos que demonstraram singulares similaridades: a letra “roh” se estende abaixo da linha natural em
ambos os documentos e a barra horizontal do “eta” está abaixo da altura média
entre as duas linhas, evidenciando um trabalho de escrita simultâneo. Isso
coloca o Papiro de Jesus, no máximo, no ano 135 d.C.
2º - Massada: a grande fortaleza de Massada foi construída
por Herodes em 40 a.C. como defesa contra Cleópatra, do Egito. Em 66 d.C., os
zelotes judeus tomaram Massada das mãos dos romanos, acabando cercados pelo
exército do Império. Antes do último ataque romano durante o sítio a Massada,
no ano 73 d.C., os zelotes que se abrigavam no local cometeram suicídio
coletivo. É possível que alguns dos rebeldes mais velhos de Massada, mortos até 73 d.C., tenham sido testemunhas oculares do ministério de Cristo,
concluído quarenta anos antes.
O fato é que a fortaleza ficou intocada de 73 d.C. até 1966,
quando foi descoberta por arqueólogos. Qualquer coisa que for achada em Massada
precisa ser de 73 d.C. ou antes. Foi descoberta nesse contexto a mais antiga sinagoga do
mundo, onde um pedaço de cerâmica contendo a palavra “Lia”, em grego, foi
preservado. A caligrafia utilizada nessa pequena palavra é quase idêntica
àquela utilizada no Papiro de Jesus: ambas escritas possuem as mesmas letras verticais separadas,
pertencendo ao estilo conhecido como “Uncial”. Certos caracteres que aparecem nos
dois manuscritos têm forma quase idêntica, como os “alfas”, cuja linha mediana
é diagonal nos dois casos – elevando-se da esquerda para a direita -, e os
“iotas”, que apresentam o que se conhece por “serif”, que é um alargamento da letra.
Tais singularidades em comum sugerem que ambos os materiais quase que
certamente foram redigidos ao mesmo tempo. Isso coloca o Papiro de Jesus para
antes de 73 d.C., praticamente dentro do período das testemunhas oculares.
3º - Qumran: todos os Manuscritos do Mar Morto, encontrados
em Qumran, possuem a idade aproximada de 2 mil anos. A coleção desse material
soma cerca de 800 volumes, apresentando de modo bastante completo o contexto
judaico no tempo em que Jesus realizou Seu ministério. Ali também foram encontrados fragmentos que aparentam ser do Novo Testamento.
Em Qumran habitaram os essênios, que deixaram Jerusalém em
152 a.C. para fundar a sua comunidade ascética, onde viveram por mais de 200
anos. Assim como aconteceu na Caverna dos Horrores e em Massada, os essênios
acabaram exterminados pelos romanos, isso em 68 d.C. Antes do desfecho da
tragédia, os habitantes de Qumran esconderam seus manuscritos em cavernas e as
bloquearam. Por dois mil anos o local ficou intocável, absorvido pela areia, até que, em 1947, um pastor descobriu os pergaminhos ocultos. Tudo isso indica que
qualquer coisa encontrada em Qumran só pode ser de 68 d.C. ou antes. Só na
Caverna 4, 15 mil fragmentos de manuscritos foram encontrados, formando 530
pergaminhos.
Entre os 15 mil fragmentos, recebeu ênfase de Thiede um
pequeno trecho de Levítico, uma vez que possui uma caligrafia quase idêntica à
do Papiro de Jesus: a aparência geral é a mesma, sendo as letras desenhadas de
forma uniforme em ambos, com traços horizontais e verticais de igual espessura
e, mais uma vez, com letras muito semelhantes. O “Y” atinge a linha inferior em
ambos os fragmentos e os “alfas” possuem o mesmo traço diagonal em sua altura
mediana. Dessa forma, o Papiro de Jesus pode ser situado em 68 d.C. ou antes,
para dentro do período das testemunhas oculares.
Outras evidências para a antiguidade dos Evangelhos:
- Banias: A localidade de nome “Banias”, norte de Israel,
na região da nascente do Jordão, possui um nome diferente nos Evangelhos:
Cesaréia de Filipe, designação que deixou de ser usada depois de 62 d.C., quando o
nome foi alterado para Banias. O fato de Mateus utilizar “Cesaréia de Filipe”
indica que ele escreveu antes de 62 d.C., sugerindo a redação dos Evangelhos
durante o período do testemunho ocular.
5º - A controvérsia da Caverna 7 de Qumran: na Caverna 7 de
Qumran foi encontrado um pequeno fragmento de escrita grega que parece indicar,
segundo as pesquisas de Thied, um trecho do capítulo 6 do Evangelho de Marcos. Há muitas discussões sobre ser este ou não um fragmento do Evangelho, mas o erudito alemão apresenta evidências interessantes para a sua proposta: na quarta
linha do manuscrito aparecem algumas letras que formam a palavra “Genesaré”, o
antigo nome do Mar da Galiléia – na Bíblia essa palavra aparece apenas em
Marcos. Outro detalhe interessante, considerando a redação de Marcos em Roma, é
o fato de que um vaso com a palavra “Roma” foi encontrado junto ao suposto
fragmento do Evangelho – jarros assim serviam como depósitos de rolos. Segundo
Thiede, esse vaso da Caverna 7 deve ter sido o recipiente onde estava o
manuscrito do Evangelho – um vaso provavelmente vindo de Roma foi achado
próximo de um manuscrito que também quase que certamente foi redigido na
capital do Império Romano. Com essas colocações, teríamos outro fragmento
neotestamentário de, no máximo, 68 d.C., estando dentro do período das
testemunhas oculares.
6º - O uso do pergaminho: o Papiro de Jesus é proveniente de um livro, enquanto o
fragmento da Caverna 7 foi escrito em pergaminho. Segundo Thied, os primeiros
textos neotestamentários foram todos redigidos em pergaminho, havendo, por
exemplo, um pergaminho de Mateus a anteceder o papiro. Antes do achado da Caverna 7,
acreditava-se que os cristãos só escreviam em livros, agora verifica-se que
eles, primeiro, escreveram em rolos para, então, transferir o texto para
livros, originando materiais como o Papiro de Jesus. Isso significa que o
Papiro de Jesus foi uma cópia de um rolo de pergaminho de Mateus ainda mais
antigo – assim como todos os demais Evangelhos, que devem ter ganhado forma
ainda no período do testemunho ocular em pergaminho.
O achado da Caverna 7, implicando na redação em rolo antes
de papiro, apontando para a redação em rolo de pergaminho antes do papiro, sugere
que o Papiro de Jesus é uma cópia de um pergaminho escrito, provavelmente, na
década de 50 d.C., período no qual centenas, ou milhares, de testemunhas oculares
de Cristo ainda viviam. Essa evidência coloca os Evangelhos, especialmente
Marcos e Mateus, como produto do testemunho ocular de gente que escreveu por
volta de 20 anos após o ministério de Cristo.
Conclusão:
É claro que as percepções de Thiede não são consenso, sendo desprezadas por muitos eruditos. A impressão que eu tenho é que Carsten realizou um trabalho superficial e, talvez, tendencioso, mas, ainda assim, é bastante válido que analisemos os seus argumentos. De fato, há uma possibilidade real de termos hoje fragmentos de manuscritos neotestamentários da década de 60 d.C., um deles resultante de uma redação anterior, feita por volta dos anos 50 d.C., situando a obra uns vinte anos depois de encerrados os eventos registrados. Se isso for verdade, chegaram até nós fragmentos de textos produzidos por pessoas da região e dos dias de Cristo, sendo testemunhas oculares dos eventos. Essa possibilidade enche de credibilidade os relatos neotestamentários sobre Cristo, Seus milagres, Sua sabedoria e a Sua morte e ressurreição, apontando para a historicidade dos pilares da fé cristã, que se assentam em eventos históricos.
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo trabalho realizado.
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