O universal "sentimento de culpa" é "coisa da cabeça" ou possui uma origem um pouco mais surpreendente? Esse sentimento pesado que resulta de um comportamento inadequado encontra suas raízes na natureza amoral ou brota de uma compreensão moral plenamente estabelecida na mente humana? Analisaremos o caso no artigo que segue.
Para um melhor entendimento dos conceitos que serão trabalhados, leia o artigo do EOMEAB: "Origens: A Moralidade Humana"
- C. S. Lewis: sobre aquilo que sabemos que devemos fazer, mas que não colocamos em prática
Dando continuidade aos raciocínios estabelecidos no artigo indicado acima, podemos afirmar que os seres humanos possuem duas características curiosas: todos eles são assombrados pela ideia de um padrão de comportamento que se sentem obrigados a pôr em prática, que é a Lei Natural, e ninguém escapa da certeza de que tal Lei não é corretamente praticada. A transgressão da Lei Natural indica que ninguém é perfeito e a culpa sugere que todos nós temos consciência de que deveríamos sê-lo - a ideia que temos sobre imperfeição aponta para a verdade de que as coisas não são como deveriam ser.
Não há sentido em dizer que pedras ou árvores deveriam ser de outro jeito - as formas das pedras e árvores podem ser consideradas "erradas" quando desejamos utilizá-las para propósitos específicos, mas elas, em si mesmas, não são ruins. Não podemos culpar pedras ou árvores pelas características que elas possuem - a planta não poderia ser diferente do que é, estando num determinado clima e tipo de solo. A árvore que consideramos "má" segue com a mesma exatidão às leis naturais que a árvore que temos como "boa". As leis da natureza não são, nesse caso, "leis" no sentido aplicado pelos seres humanos, mas apenas "coisas que sempre acontecem com os objetos da natureza" - com raras exceções. A Lei Natural, por outro lado, não indica aquilo que "os seres humanos efetivamente fazem", mas um padrão que pode ser propositalmente ignorado - a lei da natureza fala dos fatos em si mesmos, enquanto a Lei Natural indica que, para o ser humano, há algo agindo para além dos fatos. Noutras palavras: existem os fatos (como nos comportamos) e uma outra coisa (como deveríamos nos comportar).
Em todo o restante do Universo não há necessidade de coisas que não os fatos. A água corre e o vento uiva, parando o assunto por aqui. O, porém, homem pensa e fala, mas a questão não se limita a isso - nós estamos sempre conscientes de que o nosso comportamento deveria ser diferente. Pode ser inconveniente que o primeiro a chegar num ônibus tome o melhor lugar, mas só nos sentimos impelidos a culpar aquele que de fato rouba o nosso assento; pode ser inconveniente que alguém nos faça tropeçar sem querer, mas só nos sentimos impelidos a culpar aquele que, mesmo não conseguindo, tentou nos derrubar de propósito - no primeiro caso ferimos nosso corpo, no segundo saímos fisicamente ilesos. Provavelmente aquele que roubou o assento e aquele que planejou o tropeço sentirão culpa. Os fatos em si não são o fim da conversa - há algo dentro de nós que nos leva a considerar as coisas para além de si mesmas.
A verdade é que a Lei Natural é algo que transcende os fatos do comportamento humano. É bastante claro que os homens estão sujeitos a uma lei moral que não foi criada por eles, mas que não conseguem ignorar mesmo quando tentam e à qual sabem que devem obedecer. Algum ser inteligente que estudasse os seres humanos como objetos físicos, como pedras ou cães, não teria a mínima ideia da existência de uma lei moral - analisaria nossos comportamentos visíveis, mas não poderia discernir os conflitos da nossa mente; perceberia apenas o que fazemos, sem atentar para o fato de que há uma lei que, residindo em nós, insiste naquilo que deveríamos fazer. A mera observação dos fenômenos não pode encontrar a realidade que os produziu! Noutras palavras: "Se existisse um poder exterior que controlasse o Universo, ele não poderia se revelar para nós como um dos fatos do próprio Universo - da mesma forma que o arquiteto de uma casa não pode ser uma de suas escadas, paredes ou lareira." Só podemos esperar que essa realidade se manifeste dentro de nós mesmos, como uma influência ou voz de comando que nos impele a adotar uma conduta coerente.
O único envelope que podemos abrir para nos depararmos com a Realidade Primeira é o próprio ser humano e, abrindo-o, encontrarmos uma resposta em favor dela - em todo o restante do Universo é evidente que não podemos encontrá-la. Quando "abro" a mim mesmo, descubro que não posso existir por conta própria, mas que vivo sob uma lei, que algo ou alguém quer que eu me comporte de uma maneira ideal. Como sei que ela é "ideal"? É esse "alguém" que me faz saber disso através dos sentimentos de completude ou culpa.
"Algo dirige o Universo e (...) se manifesta em mim como uma lei que me incita a praticar o certo e me faz sentir incomodado e responsável pelos meus erros." C. S. Lewis completa, em favor do Deus apresentado nas Escrituras, que esse "algo" que incute em nós a moralidade é mais parecido com uma mente do que com qualquer outra coisa, uma vez que ninguém jamais viu um pedaço de matéria instruir alguém.
Fonte: Cristianismo Puro e Simples, C. S. Lewis, Martins Fontes, 2014, pgs 21-35.
- Dave Hunt: sobre a iniciativa universal de corrigir o sentimento de culpa
Não foi o cristianismo que inventou a "culpa moral" e o medo de um julgamento vindouro baseado no comportamento inadequado. O ser humano sempre foi, em qualquer lugar, uma criatura irremediavelmente religiosa - todas as práticas religiosas encontradas em qualquer cultura e raça ao redor do mundo envolvem o senso de culpa e a tentativa de apagá-la mediante algum tipo de sacrifício. Toda a história humana, das origens ao término de todos os povos, torna tal verdade inegável. Mesmo se não houvesse cristianismo, haveria a sensação de pecado e merecimento de juízo.
"O sacrifício, encontrado em todas as religiões, é propiciatório ou ainda é um sacrifício de redenção e absolvição. Em qualquer caso, o sacrifício é substitutivo e procede de um profundo senso de culpa...
Quanto às situações que provocam culpa, nada pode esclarecer isso mais do que o emaranhado de proibições entre os, assim chamados, povos primitivos..." Jacques Ellul.
Consideremos que a sensação universal de que o ser humano é incapaz de suprir devidamente a Lei Moral, torna todas as religiões que forçam o indivíduo a procurar redenção pelas próprias forças, através de comportamentos exemplares, privações, comunidades, construções, mantras e sacrifícios, incapazes de produzir o conforto e a tranquilidade de uma absolvição da culpa e do pecado. O cristianismo é a única religião que fala de um Deus que, entendendo a impossibilidade humana de alcançar por conta própria a Perfeição, faz-se homem perfeito, habita entre os pecadores e toma o seu lugar no julgamento de morte - todos os povos sabem reconhecer que o ser humano merece a morte por sua transgressão.
Fonte: Em Defesa da Fé Cristã, Dave Hunt, CPAD, 2012, pgs 231-232.
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo trabalho
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