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A Igreja e a Educação

Uma área pouco tocada nos debates sobre a importância da Bíblia e do cristianismo para o mundo é a da educação - o que é uma pena. Vislumbrando os benefícios mil que a Igreja tem dado à educação, podemos entender como a fé cristã é fonte de conhecimento e sabedoria. Analise o tema no breve estudo que segue.

O fundamento básico da educação cristã está na Grande Comissão, de Mateus 28:19-20, que nos estimula ao evangelismo e ao ensino daquilo que Jesus Cristo disse. Com base nessa ordem, os cristãos podem utilizar-se de princípios educacionais levantados do Antigo Testamento ao Novo.
No Antigo Testamento o lar era o centro da educação. Cabia ao pai transmitir os ensinamentos religiosos, intelectuais e práticos, instruindo os filhos em ofícios específicos. Não havia a necessidade de instituições para promover a disseminação da crença no Deus único e Seus ensinamentos: todas as comunidades centravam-se profundamente nesses ideais, que se transmitiam naturalmente aos filhos. A transmissão desse conhecimento era tida através, essencialmente, da oralidade, com histórias e lições narradas nas mais variadas circunstâncias e eventos. Alguns textos bíblicos que demonstram a centralidade da família na educação dos filhos são: Êxodo 13:14, Deuteronômio 6:20-21 e Josué 4:21-23. Outro texto, que está em Deuteronômio 6:6-9 nos mostra que os pais devem aproveitar todas as oportunidades para instruir os filhos.
A educação no Antigo Testamento voltava-se das casas para o bem da comunidade. Outra fonte de instrução social estava na vida religiosa dos judeus, que transmitiam ensinamentos importantes sobre Deus através de sua liturgia que, não raramente em tom festivo, atraia e educava as crianças – o simbolismo era especialmente eficaz. Festas como a Festa dos Tabernáculos, a dos Pães Asmos, a da Páscoa e a do Pentecostes cumpriam tais funções também educativas. Dois enfoques básicos na educação do Antigo Testamento são o amor e o temor diante de Deus: o amor ao Senhor que, pela promessa feita a Abraão, libertou Israel do Egito; temor diante de um Deus que não aceitar o sincretismo e o politeísmo. Por fim, a vida da comunidade e da família eram cuidadosamente arquitetadas para servirem de exemplos educativos para os indivíduos em estado de formação. O auge desse sistema deu-se até o período dos Profetas.
Enquanto o lar prossegue como centro da formação intelectual, os Profetas surgem como educadores itinerantes. Eles foram chamados em tempos difíceis para transmitir as instruções de Deus ao povo, isso em tom de admoestação, mas também em tom educativo. Os Profetas focaram mais na grandeza da misericórdia e do amor de Deus. Embora já se visse isso na figura da comunidade e dos pais, os Profetas aprofundaram o ensino através de seu exemplo e comportamento, não somente palavras: viviam numa submissão total a Deus, muitas vezes em pobreza e perseguição. Os Profetas viviam de modo totalmente diferente do restante do povo, comumente mergulhado nos pecados de desobediência, entre eles a idolatria e a imoralidade sexual. O povo estava especialmente depravado nos tempos dos Profetas – Perry Downs, professor de educação cristã, afirmou que “o colapso da vida religiosa de Israel constituiu um colapso no sistema educacional”.
Depois dos tempos dos Profetas, temos um período em que trabalham os escribas e fariseus e onde a sinagoga já é comum. Os fariseus e escribas tiveram suas origens fundamentalmente no Exílio Babilônico, onde formularam doutrinas que substituiriam o uso do Templo, destruído e distante e copiaram e interpretaram as Escrituras – a sinagoga também veio desse evento de sete décadas, pois o Templo era inacessível. Nas sinagogas, os meninos eram instruídos por mestres que, em geral, eram os escribas e os fariseus – nesse sentido, a supremacia dos pais na educação dos filhos já não era absoluta. Um dos maiores mestres desse período foi Esdras, que se dispôs a ensinar a lei em Israel mediante o retorno do Exílio de 70 décadas na Babilônia. Com o tempo, porém, os escribas e fariseus passaram a preocupar-se mais em obter conhecimento das Escrituras do que em nutrir as pessoas desse mesmo conhecimento.
Com o tempo, a sinagoga migrou cada vez mais de um centro de exclusiva adoração para uma instituição de ensino. É sabido que, em 75 a.C., Simão ben-Shetah decretou como obrigatória a escola elementar para os meninos – um século mais tarde, Josué bem-Gamala, ampliou esse sistema, nomeando um professor para cada província e cidade. Sabe-se também que no terceiro século a.C. havia mais de 480 sinagogas em Jerusalém.

No Novo Testamento, herdeiro do Antigo, a educação se centra na pessoa de Cristo. Nos tempos de Jesus, as meninas eram educadas em casa, pelas mães, enquanto os meninos eram educados nas sinagogas pelos mestres. Nesses tempos o ensino religioso se voltava a uma unidade institucionalizada. A verdade é que nada disso se comparou ao que Jesus fez como mestre.
O Messias era extremamente sábio ao transmitir conhecimento, utilizando até mesmo mecanismos profundamente complexos de tão simples, como as parábolas. O Mestre também praticava seus ensinamentos e ensinava o que praticava, sendo exemplo prático e verbal. Jesus aparece com traço educador em várias circunstâncias: quando manda pagar tributo ou quando conversa com pessoas independentemente de sua posição social. O fato é que seus discípulos o consideravam um rabi, ou mestre, o que era evidente mediante a desenvoltura de alguém preocupado não só com conteúdos, conceitos e conhecimento, mas profundamente dedicado às formas com as quais poderia transmitir adequadamente, dependendo do público-alvo, esse conhecimento. O livro “A Pedagogia de Jesus”, um clássico da literatura cristã, analisa os métodos educacionais de Cristo: parábolas, breves histórias, ensino de verdades recorrendo a exemplos da natureza, também o ensino através de perguntas claras aos ouvintes, com os quais interagia, procurando extrair reflexões e compreender seus dilemas. A forma como Jesus ensinava por equivaler-se ao que hoje se chama de Aprendizagem Significativa, que parte de conhecimentos prévios dos ouvintes, informações simples do cotidiano, e prossegue na direção de conhecimentos mais amplos a serem discernidos pelo público-alvo. Provavelmente Jesus foi o precursor do que hoje se entende por “construção do conhecimento”, já que buscava elementos que já faziam parte da estrutura mental do povo e os relacionava com elementos até então desconhecidos por eles.
Os seguidores de Cristo, tidos como Apóstolos, prosseguiram desenvolvendo esses conceitos educacionais. As ferramentas fundamentais dessa educação apostólica se deu através de Atos e das Epístolas. Fundando ou tomando igrejas fundadas, os apóstolos procuraram constituir princípios, ensino, base e organização para as mesmas – isso também pela oralidade e exemplo de vida. Nesse período os escritos do Novo Testamento representaram o marco fundamental para a disseminação da teologia cristã – Paulo, Pedro, João, Judas e Tiago são grandes exemplos. Apoiados pelas igrejas, os escritos recebidos eram redistribuídos e ensinados por líderes espirituais locais.
Nos primeiros séculos depois de Cristo, conforme o cristianismo se expandia pelo mundo, misturando a cultura judaica com a grega, romana, celta ou germânica, algumas alterações substancialmente malévolas se abateram sobre as doutrinas da fé. Além de uma definição mais clara das doutrinas corretas, a Igreja também passou a se preocupar em como transmitir adequadamente a Mensagem a povos tão distintos. Como resposta a esse apelo surgiram as escolas de catecúmenos, onde as crianças podiam receber uma educação livre das influências mitológicas e politeístas – mais tarde surgiram as escolas catequéticas, as catedrais e as monásticas, onde havia o afastamento da vida comum para uma dedicação maior aos escritos antigos. Estudiosos afirmam que uma grande contribuição dessas escolas foi a preservação dos escritos clássicos dos gregos e cristãos para as gerações futuras.

Nesse contexto temos os Pais da Igreja, que contribuíram vastamente para a história da educação através de suas interpretações da fé e seus escritos em geral, direcionados e adaptados sabiamente aos povos que queriam atingir – podemos destacar Justino Mártir, Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Orígines e Jerônimo. Agostinho de Hipona talvez seja o maior desses Pais da Igreja, já que escreveu uma obra de nome Educação Cristã, “um manual de instruções para clérigos e leigos”, que trazia uma série de técnicas de ensino para os professores. Questões educacionais verdadeiramente não são problemas de interesse apenas do mundo atual!

Nos tempos da Reforma e pós-Reforma também encontramos pontos relevantes sobre o assunto. Martinho Lutero, o Grande Reformador, apresenta-se como uma figura profundamente preocupada com o ensino das Escrituras – Lutero lutou tanto contra as indulgências quanto contra o despreparo dos responsáveis pelo ensino da Palavra. Para Lutero, todos deveriam ter acesso à leitura da Bíblia, de modo que empenhou-se em traduzi-la para a língua do povo e procurou imprimi-la em grande escala, para ser acessível a todos. Além de Lutero, podemos lembrar de João Calvino, estudioso da Palavra por natureza, que atribuiu a Igreja a função de ensino, descrevendo-a como uma prioridade. Calvino era professor e incentivou o ensino religioso para crianças, enfatizando a responsabilidade dos pais nesse cenário.
Comênio foi outro grande educador da Igreja. Ele trabalhava com a questão do essencialismo, entendendo que todos os conhecimentos, todas as disciplinas, são uma parte da verdade total de Deus - em filosofia, tal posicionamento é chamado de pansofismo, que é o mesmo que ensinar tudo a todos. Para Comênio, a escola deve: ensinar tudo a todos; ensinar para tornar a pessoa sábia, piedosa e virtuosa; educar o indivíduo completamente antes da maturidade; oferecer um ambiente saudável, sem castigo; dar educação completa, sem superficialidade; ser acessível.

Nos tempos modernos, o marco da educação cristã está nas escolas dominicais. Robert Raikes foi o fundador da primeira escola dominical, em 1780, quando preocupou-se com problemas sociais e educacionais – procurando tirar alguns meninos das ruas de Gloucester, Inglaterra, recuperando-os da marginalidade, Raikes reuniu-os, contratou uma professora e começou a alfabetizá-los. O grupo formado se encontrava tosos os domingos. Tal organização foi tão impactante que, em pouco tempo, diversas escolas dominicais foram criadas, atraindo inúmeras crianças, que eram orientadas nas virtudes cristãs e incentivadas a evitar vícios, visando a formação de uma sociedade melhor. Em 1797 havia mais de 250 mil crianças matriculadas nas escolas dominicais da Inglaterra – logo tornou-se hábito pessoas se reunirem para estudar a Bíblia aos domingos, o que ficou conhecido como “escola bíblica dominical”.
Na Nova América, anos depois, a escola dominical se adaptava, a fim de atender os filhos das diversas vertentes religiosas que chegaram da Europa aos Estados Unidos. Na América do Norte esse sistema de escolas bíblicas dominicais adquiriu um caráter missionário, de modo que serviu como ferramenta de evangelização aos nativos locais. Em 1872 criou-se uma organização para padronizar o ensino dominical em toda essa nação – em 1990 havia cerca de 40 traduções desse material sendo enviadas para outros países. Para a América do Sul esse sistema chegou através dos missionários norte-americanos, que procuraram adaptá-lo à cultura latina, levantando gerações de cristãos que hoje constituem a parte fundamental do corpo protestante dessa parte do continente.
Fonte: Educação Cristã, Madalena de Oliveira Molochenco, Curso Vida Nova de Teologia Básica, Volume 8, pgs 27-38.

Natanael Pedro Castoldi

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