Quem pensa que a Idade Média foi apenas uma "era de trevas", "sem nenhum desenvolvimento tecnológico e científico", precisa, urgentemente, conhecer uma catedral gótica. A caminhada arquitetônica da Igreja é, definitivamente, espetacular, e vale a pena trabalharmos as suas principais fases e características.
1 - A arquitetura cristã primitiva e a arquitetura bizantina (44-1500 d.C.):
Como os primeiros cristãos acreditavam na iminente volta de Cristo, não se ocupavam muito com o interesse arquitetônico. Coisa que mudou definitivamente de 330 em diante, quando Constantino fundou Constantinopla, a "Nova Roma", depois de se converter ao cristianismo em 312.
Na Península Itálica as primeiras grandes igrejas católicas se basearam nos moldes romanos das basílicas - o exemplo mais notável foi a de São Pedro, fundada por Constantino em 330 d.C. Ela foi demolida para dar lugar à atual. Ainda hoje há bons exemplos dessas antigas basílicas cristãs em Roma, como as de Santa Sabina e a de Santa Maria Maior. A evolução de uma nova arquitetura cristã, entretanto, foi bastante lenta, culminando na Basílica de Santa Sofia, em Constantinopla, no reinado de Justiniano (527-565).
A Basílica de Santa Sofia é resultado de influências ocidentais e orientais e, de modo inédito, dispensou a arquitetura de colunas. O espaço interno é coberto por uma imensa cúpula, que chegou aos limites daquilo que a tecnologia da época permitia - o domo desabou em 537, mas foi refeito em 563. Diz-se que Justiniano, em entrar na basílica depois de concluída, exclamou: "Salomão, eu te superei!" A influência da imensa construção se estendeu para a Itália, a Grécia, a Turquia e até a Rússia - chegou a servir de modelo para a construção de mesquitas.
Os elementos fundamentais da arquitetura bizantina são: as múltiplas cúpulas; arcos altos e plenos; magníficos mosaicos; teto com cúpulas decoradas; decorações naturalistas nos capitéis das colunas; e cúpulas em forma de bulbo.
Alguns exemplos da arquitetura bizantina: a igreja de Santo Stefano Rotondo, do ano 483, em Roma, na Itália; a basílica de Santo Apolinário em Classe, do ano de 549, em Ravena, Itália; a basíclia de Santa Sofia, de 537, em Istambul, Turquia; a Catedral de Torcello, de 1008, em Veneza, Itália; a Catedral de São Marcos, 1096, em Veneza, Itália; a igreja de Biet Giorgis, 1300 d.C., em Lalibela, Etiópia; e a Catedral de São Basílio, 1561, em Moscou, Rússia.
2 - A arquitetura da Europa Medieval:
Minha fonte declara: "O período que vai desde a queda de Roma, no séc. V, até o início do séc. XI frequentemente é denominado de Idade das Trevas. No entanto, esses séculos superficialmente documentados não foram limbos intelectuais e artísticos, como se costuma relatar. Em meio às trevas brilharam notáveis vestígios de criatividade, e a arquitetura medieval acabou irrompendo com grande vigor, num clarão de glória."
Mesmo que nem todos os godos e francos que migraram para a Europa ocidental tenham sido pagãos brutais - muitos eram cristãos e admiravam as conquistas de Roma -, eles observavam os próprios costumes e as formas de organização social. Sua chegada fez Roma mergulhar numa prolongada era de instabilidade cultural, social e política - boa parte da infraestrutura romana foi destruída. Nesse período de caos, a única potência internacional ativa na Europa era a Igreja e esta serviu como fundamento para a unidade social nas antigas colônias romanas - os mosteiros cristãos atuaram como repositórios de conhecimento e recanto das artes. Com o retorno da estabilidade na Europa e a formação de algumas de suas maiores nações, o crescimento econômico e cultural ganhou força, fazendo desabrochar uma magnífica arquitetura.
a - A arquitetura românica (800-1100 d.C.):
A igreja românica clássica é um desenvolvimento da basílica romana e foi financiada por reis e clérigos com o intuito de recriar o poder e o esplendor da Roma Antiga. Inicialmente, o românico ficou conhecido como o "estilo de Carlos Magno", rei dos francos entre 768 e 814.
Os elementos fundamentais do românico: as igrejas românicas tinham um formato cruciforme (cruz latina), deambulatórios (passagens) entorno da abside e abóbodas de pedra bastante robustas sobre colunas enormes e paredes extremamente espessas. Os arquitetos e pedreiros do período ainda não tinham desenvolvido a tecnologia suficiente para a construção de abóbodas mais leves, necessitando de estruturas robustas conforme a altura do monumento. Outras características singulares do estilo românico: a arcada contínua; relevos naturalistas; colunas esculpidas; o entrelaçamento de pedras; e os tímpanos (parede entre a porta e o arco que está sobre ela) esculpidos.
Alguns exemplos da arquitetura românica: o Batistério de Parma, 1196, Parma, Itália; Catedral de Monreale, 1182, perto de Palermo, Itália; Catedral de isa, depois de 1063, Pisa, Itália; igreja de Notre-Dame La Grande, 1145, Poitiers, França; igreja de Santa Maria Laach, depois de 1093, Renânia, Alemanha; Krak des Chevaliers, depois de 1142, Homs, Síria; Torre de Londres, depois de 1078, Londres, Inglaterra; e Igreja de Borgund, 1150, Fiorde de Sogne, Noruega.
b - A arquitetura gótica (1150-1500 d.C.):
Ela é uma das glórias da civilização europeia. Almejava elevar a vida cotidiana até os céus e tocar a face de Deus, fazendo uso das mais altas abóbodas, torres e agulhas de pedra que a tecnologia permitisse erigir. Esse estilo surgiu na França à época das Cruzadas e trouxe alívio aos fiéis nesse sangrento período. Até hoje algumas das catedrais góticas desafiam os arquitetos e engenheiros.
Os elementos fundamentais do gótico: no centro do gótico está o arcobotante, recurso que permitiu a transferência do peso para longe das paredes da catedral - quanto maior a altura das paredes, maior é o vão entre os botaréus decorados. O domínio desse novo conceito, permitiu a construção de paredes cada vez mais elevadas e elaboradas, com janelas maiores e cheias de vitrais. Os franceses tentavam erguer suas abóbodas ao máximo, enquanto os alemães e os ingleses competiam para ver quem colocava de pé a agulha mais alta - a da Catedral de Salisbury atinge 123m, enquanto a de Ulm, em Munique, obedecendo ao projeto original, chegou aos 160m. As principais características do gótico são: as rosáceas (complexos rendilhados de pedra preenchidos com vitrais); os arcobotantes; os arcos góticos (com pontas simples, com rendilhados de pedra, com arcos dentro de arcos, com diversos centros); os pináculos; as abóbodas com arestas ou leques; e as gárgulas.
Alguns exemplos da arquitetura gótica: a Catedral de Sainte-Chapelle, 1248, Paris; a Catedral de Norte-Dame, 1163, Paris; a Catedral de Chartres, 1230, Paris; a Catedral de Albi, 1282, Albi, França; o Salão de Tecidos, depois de 1214, Ypres, Bélgica; a Catedral de Wells, depois de 1180, Wells, Inglaterra; a Catedral de Ely, depois de 1080, Cambridgeshire, Inglaterra;o Castelo de Conwy, 1289, Conwy, País de Gles; Catedral de Colônia, depois de 1248, Colônia, Alemanha; a Igreja de Santa Elizabeth, 1283, Marburgo, Alemanha; e a Catedral de Sevilha, 1520, Sevilha, Espanha.
3 - A arquitetura do Renascimento:
A prensa ajudou a disseminar novas ideias para a arquitetura. O conhecimento clássico foi preservado por sábios muçulmanos e monges cristãos, servindo de base para o Renascimento, que principiou na Itália.
a - O Renascimento Italiano (1420-1550 d.C.):
No século XV, as cidades-Estado italianas estavam em crescente ascensão, com bancos lucrativos e ousadas aventuras capitalistas, condições que favoreceram a arquitetura renascentista.
Os elementos principais da arquitetura do renascimento italiano: o uso do estilo dórico, jônico e coríntio nas colunas; as colunatas; a simetria; os frontões sobrepostos; cantarias rústicas; e a presença de fontes.
Alguns exemplos da arquitetura renascentista italiana são: a cúpula da Catedral de Florença, 1436, Florença, Itália; o Palácio Medici-Riccardi, 1459, Florença, Itália; a cúpula da Basílica de São Pedro (42 metros de diâmetro e 137 metros de altura, até o topo da cruz no cume), 1591, Roma, Itália; Igreja de San Giorgio Maggiore, 1610, Veneza, Itália; e a Ponte dos Suspiros, 1600, Veneza, Itália.
b - O Renascimento fora da Itália (1500-1700 d.C.):
Enriquecidas com os tesouros da América e a abertura de rotas comerciais para o Oriente, as demais nações europeias conseguiram financiar seu renascimento, além de alterarem sua visão de mundo. O comércio e os livros ajudaram na disseminação do renascimento. A adoção dos estilos italianos produziu construções híbridas no norte e no oeste da Europa - Inglaterra, Países Baixos, os países escandinavos e a Escócia mesclaram sua arquitetura local com aquela desenvolvida na Itália renascentista.
Os elementos principais da arquitetura renascentista fora da Itália: frontões com volutas de pedra; empenas elaboradas (fachadas extravagantes nos edifícios); medalhões (placas decorativas); sobreposição das ordens clássicas (dórica, jônica e coríntia); e lucarnas elaboradas.
Alguns exemplos da arquitetura renascentista fora da Itália: o Castelo de Chenonceaux, 576, Chenonceaux, França; o Castelo de Chambord, 1547, Chambord, França; o Palácio de Fontainebleau, 1586, perto de Paris, França; Place des Vosges, 1612, Paris; Sedes das Guildas, 1700, Bruxelas, Bélgica; Prefeitura de Enkhuizen, iniciada em 1686, Ijsselmeer, Holanda; Palácio de Carlos V, 1568, Granada, Espanha; El Real Monasterio de San Lorenzo de el Escorial, 1582, El Escorial, Espanha; Mosteiro dos Jerônimos, 1610, Belém, Portugal; e o Castelo de Frederiksborg, 1620, Hillerød, Dinamarca.
4 - O barroco e o rococó:
O estilo barroco é fruto das iniciativas culturais da Contrarreforma. O rococó é seu descendente. A arquitetura barroca apareceu como um recurso para propagar a fé católica e foi patrocinada por indivíduos como o papa Sisto V. A arte barroca era "sensacionalista, pictórica, teatral e ilusionista", com belos jogos de luzes e sombras. Quase todos os edifícios desse estilo ostentam grandiosas cúpulas, quartos com querubins, pinturas cinemáticas e estatuária que se aproxima do erótico. O barroco desenvolveu-se de duas maneiras distintas: uma mais efusiva, nos países católicos, e outra mais sóbria, nos países do norte da Europa.
a - O barroco (1600-1725 d.C.):
A arquitetura barroca é "altamente cinematográfica": possui movimento embutido em curvas e volutas, truques de luz, sensação e drama.
As principais características do barroco: abóbodas; querubins; movimento; escadaria em camadas; cúpulas com nervuras decorativas, tambores no topo e relevos.
Alguns exemplos do barroco: a Basílica de São Pedro, 1615, Roma, Itália; San Carlo Alle Quattro Fontane, 1665, Roma, Itália; Fontana di Trevi, 1762, Roma, Itália;Escadaria Espanhola, 1728, Roma, Itália; Santa Maria Della Salute, 1681, Veneza, Itália; Palácio de Versalhes, 1772, perto de Paris, França; Lez Invalides, 1706, Paris, França; Abadia de Melk, 1736, Melk, Áustria; Karlskirche, 1737, Viena, Áustria; Frauenkirche, 1743, Dresden Alemanha; e a Biblioteca Wren, 1695, Cambridge, Inglaterra.
b - O rococó (1725-1775 d.C.):
Se trata de um barroco fragilizado, com um toque alegre e excêntrico. Aparece principalmente na Alemanha, na França e na Itália.
Os principais elementos do rococó: espelhos decorados; exuberante trabalho em estuque; extravagantes fachadas clássicas; querubins; e galerias de espelhos.
Alguns exemplos do rococó: Zwinger, 1722, Alemanha; Abadia de Weltenburg, 1724, Kehlheim, Alemanha; Igreja de Rottenbuch, 1747, Rottenbuch, Alemanha; e o Palácio de Catarina, 1756, Tsarskoe Selo, Rússia.
Sob inspiração desses movimentos e as escavações de sítios gregos, os países ocidentais europeus e os Estados Unidos procuraram reviver a arquitetura clássica através do estilo neoclássico, que se encontra em estruturas como o Arco do Triunfo, em Paris, o Portão de Brandemburgo, em Berlim, e no Capitólio, em Washington. A Revolução Industrial propiciou o erigir de estruturas como a Torre Eiffel, em Paris, e o Centro Comercial Marshall Field, em Chicago. Posteriormente, um sentimento nostálgico brotou no mundo das máquinas para reviver a arquitetura gótica, isso através do estilo neogótico, responsável por obras como o Big Ben, em Londres, e o Edifício Woolworth, em Nova York - o neogótico inspirou outro estilo, que se consolidou em construções como a Igreja da Sagrada Família, em Barcelona.
Fonte: Guia Ilustrado Zahar Arquitetura, Jonathan Glacey, Zahar, 2013, pgs 123-133 e 224-339.
Conclusão:
Não é só na música, na literatura e nas artes de escultura e pintura que o Ocidente fervilhou mais do que qualquer outra civilização do mundo: a arquitetura aqui se movimentou de forma dinâmica e espetacular, vindo a influenciar todas as demais nações do globo. Esse artigo é só uma introdução, um estímulo para a pesquisa de conceitos novos e para uma observação mais cuidadosa das estruturas que te cercam.
Natanael Pedro Castoldi
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Obrigado pelo trabalho
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