Muita gente afirma que o Renascimento se deu com o homem desprendendo-se da Igreja, de modo que a Igreja é que era o atraso para o desenvolvimento da arte e da ciência. Seria isso verdade? O breve estudo que segue pretende encerrar essa questão - tire as suas próprias conclusões.
É muito comum vemos,
principalmente nos livros didáticos, a associação de Igreja com uma arte pobre
e a fé em despeito da razão, enquanto o Renascimento, supostamente fruto dos
inimigos da fé, vêm com o reavivar do conhecimento que existia antes do
cristianismo. Não é só no Ensino Fundamental e Médio que ouvimos isso, mas da
boca daqueles que, mesmo depois da escola continuam baseando-se nas fontes
juvenis de conhecimento. Acontece que um estudo mais profundo e específico nos
surpreende: ao contrário de inimiga da Arte, a Igreja Renascentista foi a maior
patrocinadora e desenvolvedora da mesma, assim como ocorreu com a ciência – que
seria, então, a Capela Cistina, as vislumbrantes catedrais góticas ou a
Biblioteca do Vaticano? Sague um breve estudo extraído do livro A História
Revelada dos Papas, Quero Saber, Edit. Livros Escala (a data ao lado do nome
refere-se ao tempo de pontificado):
-
Gregório I (590-604 d.C.): por sua humildade (o “servo dos servos de Deus”), é
visto como o “papa modelo”. Gregório I promoveu uma ruptura com a Antiguidade
Pagã e traçou uma unidade a partir da Antiguidade Romana. Preocupou-se com
teologia, pureza eclesiástica, com os pobres e com a cultura – ainda temos mais
de 800 cartas desse papa. No mais, sua maior contribuição cultural foi na área
da música: promoveu a coleta de cânticos litúrgicos e, com base neles,
desenvolveu o famoso e belíssimo canto gregoriano. Pgs 17-19.
-
Martinho V (1417-31 d.C.): Embora tendo grandes aspirações de poder, tal papa reconstruiu a roma semi-destruída que encontrou - investiu vastos recursos para reerguer diversas igrejas e criar pontes, estradas e
fortificações. Durante seu pontificado as artes aplicadas começam a florescer e
os primeiros grandes pintores da Renascença despontaram. O próprio papa seguiu vivendo sem luxos. Pgs 59-61.
-
Eugênio IV (1431-47 d.C.): embora com considerável sede de poder, também pode
ser considerado um incentivador da arte, da arquitetura e da ciência: ele abriu a corte papal às novas correntes do humanismo e do início da Renascença; fez
avançar a renovação urbana de Roma, iniciada por Martinho V; recebeu do escultor
Antonio Averlino, mais conhecido como Filarete (1400-65), uma rica porta de
bronze entalhada; levou para à corte papal o pintor e medalhista italiano
Antonio Pisanello (1395-1455), o pintor francês Jean Fouquet (1420-81) e o
pintor italiano Fra Angelico (1387-1455). Pgs 62-63.
-
Nicolau V (1447-55): é o primeiro humanista a ocupar a Santa Sé. Irrepreensível,
bem educado e hábil em retórica, fez Roma voltar a ser o centro religioso do mundo
e promoveu as ciências e as artes, de modo a tornar a Cidade o centro cultural
de seu tempo. Entre pontos positivos e negativos, podemos, em termos negativos,
observar seu comportamento, muitas vezes, mais favorável às artes e ao
conhecimento do que aos fiéis –coisa que se repetiu durante todo o período
renascentista-, e, vislumbrando o positivo, verificamos o fato de ele ter
autorizado a restauração de 40 igrejas romanas, a remodelação do Vaticano e
arredores e o reforço em fortificações – todos sabem o quanto de arte se
inseria nesses projetos. Nicolau V levou muitos artistas e estudiosos para Roma,
fundou a Biblioteca do Vaticano – mandou comprar livros e artigos por todo o
mundo, traduzindo-os - e projetou a restauração do Vaticano e da Basílica de São
Pedro. Infelizmente tornou-se arrogante, levando um estilo de vida controverso.
Pgs 65-68.
-
Sisto IV (1471-84): apesar de seu caráter questionável, como um incentivador do
nepotismo e seu estilo de vida suntuoso, além do envolvimento em intrigas
políticas e conflitos propriamente ditos, Sisto IV foi um dos maiores mecenas
do Renascimento. Ele é conhecido como um incentivador da arte, de modo que,
durante seu pontificado, a corte papal se tornou um centro europeu do humanismo
e da arte. O papa em questão promoveu a Biblioteca do Vaticano, fazendo construir as belíssimas igrejas de Santa Maria del Popolo e Santa Maria dela Pace, também
levantou o hospital de Santo Spirito, a Ponte Sisto e, por fim, a Capela
Sistina, no Vaticano. A famosíssima capela mais tarde foi pintada por
Michelangelo Bounarroti (1475-1564 d.C.), tornando-se uma obra de arte
incomparável. Pgs 70-72.
-
Alexandre VI (1492-1503): um dos papas de caráter mais questionável, que
procurou utilizar o papado como um trampolim para a ascensão de sua família –
já que o mesmo tinha filhos. Alexandre VI tinha o papado como pura política.
Apesar da secularização e comportamento condenável, tal papa foi um grande
amante da arte. O pontífice renovou a passagem entre o Castel Sant’Angelo e o
Vaticano, ergueu os “aposentos de Borgia”, no Vaticano, que decorou com afrescos
riquíssimos tidos pelo trabalho de Pinturicchio (1454-1513 d.C.), um
dos maiores pintores italianos do início do Renascimento. Durante o pontificado
de Alexandre VI, Michelangelo Bounarroti criou, para a Basílica de São Pedro, a
famosa estátua Pietà. Pgs 73-76.
-
Júlio II (1503-13): duro, irascível, atuante como capitão, estadista e patrono,
o papa Júlio II ficou conhecido como “O Terrível”. Teve filhos e atingiu o
papado através de subornos. Apesar de tudo, o papa em questão foi um dos
grandes incentivadores do Renascimento, de modo que dividiu encomendas entre
Bramante, Michelangelo e outros, tornando Roma o centro da Renascença. Júlio II
levou para Roma os artistas mais significativos de seu tempo e influenciou
substancialmente na arquitetura do período: em 1058 o pintor e escultor
Michelangelo pintou a Capela Cistina, enquanto o pintor Rafael (1483-1520 d.C.)
criou os afrescos das stanzas (varandas e salas de estar do palácio papal). Pgs
76-78.
-
Leão X (1513-21): o papa que presenciou o início da Reforma Protestante,
embasada, entre outras coisas, em sua sede por indulgências, a fim de arrecadar
fundos para a construção de uma nova e incomparável Basílica de São Pedro. O
estilo de vida desse papa é questionável, porém, humanista instruído, promoveu
artistas e estudiosos, tornando Roma um centro de artes e cultura. Pgs 79-80.
-
Gregório XIII (1572-85): o marco de Gregório XIII é a reforma no calendário
juliano, realizada em 1582 d.C. O papa em questão demonstra grande interesse e
ansiedade na aplicação de preceitos da Contrarreforma. Esse papa é conhecido
como amigo da ciência, da educação religiosa e dos jesuítas – ele estabeleceu nunciaturas (o mesmo que embaixadas), que chegaram a 13, criou seminários (23
dirigidos pelos jesuítas) e ajudou na criação dos colégios nacionais em Roma,
por exemplo: o colégio grego (1577), o inglês (1579) e o maronita (1584), além
de ter doado valores substanciais ao famoso Collegium Germanicum, fundado por Inácio
de Loyola (1491-1556). Esse mesmo papa construiu o Colleguim Romanum para a
Gregoriana, uma universidade jesuíta de filosofia, teologia e direito canônico
–sobre o direito canônico, Gregório XIII promoveu revisões e atualizações. Na
área de arquitetura, Gregório XIII promoveu o embelezamento de Roma,
construindo, por exemplo, as fontes da Piazza Navona e Piazza del Papolo. A
Galleria dele Carte Geografiche, no Vaticano, também é fruto de seu trabalho.
A
questão da reforma do calendário juliano é particularmente interessante, pois
ressalta o interesse papal pela astronomia e na correção da tradição pela
ciência - havia uma preocupação em garantir que a medição do ano concordasse
com o calendário celeste. Para garantir que o Equinócio de Primavera se
encaixasse novamente com o início da Primavera, 21 de março (Hemisfério Norte),
e se comemore a Páscoa corretamente, o papa seguiu as propostas do médico e
astrônomo italiano Aloisius Lilius (1510-76). Em 1579 o papa encarregou o
jesuíta alemão Christophorus Clavius (1537-1612), que lecionava matemática em
Roma, da formulação matemática do novo calendário. Pgs 88-90.
-
Bento XIV (1740-58): é o papa mais significativo de seu século e um dos papas
mais eruditos dos tempos modernos. Sua influência deu-se não somente por seu
serviço prático, mas pelos seus escritos. Tal papa promoveu satisfatórias
reformas internas na igreja e reconciliou a mesma com os poderes seculares –
embora conservador, não teve receio do contato da instituição religiosa com as
ciências. Bento XIV era um patrocinador do meio acadêmico – e antes de ser papa
já era o jurista da igreja, além de grande teólogo, altamente instruído e
amigável, chegando ao ponto de passear por Roma esperando receber incentivos e
críticas do povo. Esse papa é considerado o fundador da história do direito
eclesiástico – e foi extremamente aberto às ciências e às artes. O pontífice
defendeu o estabelecimento de academias culturais estrangeiras e a fundação de
sociedades ligadas à antiguidade romana e cristã, à história da igreja e à liturgia;
fez construir bibliotecas, suspendeu as proibições de apresentações teatrais e
reformou universidades. Se já não bastasse, Bento XIV trocou ativamente
informações com os maiores estudiosos de seu tempo, incluindo protestantes – e
o mesmo papa revogou o banimento dos ensinamentos de Nicolau Copérnico, o
idealizador do heliocentrismo. Sobre seu relacionamento com os protestantes,
superou as expectativas ao permitir casamentos mistos.
Esse
grande papa não foi apenas responsável pelo florescimento artístico e
intelectual de Roma, mas promoveu toda uma modernização na cidade: renovou a
infraestrutura obsoleta, promoveu a agricultura, o comércio e a indústria,
construiu a Fonte de Trevi, reformou edifícios antigos e, inclusive, drenou
pântanos. Pgs 99-101.
-
Clemente XIII (1758-69): seu pontificado é machado pelo banimento dos jesuítas,
que tal papa promoveu por pressão dos reinos seculares, já que o mesmo era
amigo desses padres ricamente intelectuais – Portugal foi o primeiro país a
expulsar os jesuítas, já que a corte estava desgostosa da parceria amigável dos
jesuítas com os índios do Paraguai, onde os padres missionários defendiam os
nativos, interferindo nos negócios imperiais. Clemente XIII também
posicionou-se contra o movimento iluminista, já que o Iluminismo era de natureza antirromana. Apesar desses dois aspectos polêmicos, esse papa foi um grande
incentivador das artes e das ciências: apoiou o arqueólogo alemão Johann
Joachim Winckelmann (1717-68), o arqueólogo e arquiteto italiano Giovanni
Battista Piranesi (1720-78) e o pintor da Boêmia, Rafael Mengs (1728-79). Pgs
102-103.
-
Pio XI (1922-39): papa após a 1ª Guerra Mundial, auxiliou na reorganização e
reestruturação da Europa, mas, infelizmente, demorou em opor-se aos regimes
totalitários italiano e alemão. Por meio de uma encíclica escrita em 1937, tal
papa opõe-se ao nacional-socialismo alemão. No Vaticano, Pio XI construiu uma
estação ferroviária, uma estação de rádio e uma pinacoteca – a residência de
verão de Castel Gandolfo ganhou um observatório astronômico. O papa em questão
era entusiasta do montanhismo e foi autor de várias obras científicas. Pgs
117-120.
Outro livro de grande relevância para esse assunto é o Heróis da História, Will Durant, L&PMPocket, 2012, pgs 207-268.
Natanael Pedro Castoldi
Leia também:
- A Contrarreforma: Arte, Ciência e Educação
- A Igreja e o Conhecimento: a Antiguidade Preservada
Leia também:
- A Contrarreforma: Arte, Ciência e Educação
- A Igreja e o Conhecimento: a Antiguidade Preservada
Obrigado pelo trabalho
ResponderExcluir