Muitos simplesmente desprezam a fé cristã, tendo-a como irracional. Será que, de fato, o cristianismo é irracional? É o que veremos no breve estudo que segue - tire as suas próprias conclusões.
O livro Deus
Existe?, Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e Paolo Flores d’Arcais, Edit.
Planeta, das páginas 11-22, nos presenteia com um excelente texto do atual papa
emérito sobre o cristianismo, a verdade e o pensamento filosófico. Desse
tratado empolgante, pretendo tirar algumas lições e parágrafos.
O
início do novo milênio, o segundo depois do Messias, se dá com o crescimento dos ataques à própria questão da existência da verdade, de modo a
atingir o cristianismo e sua posição como detentor do que é verdadeiro, se de fato é possível aplicar o conceito de verdade às religiões. A fé cristã, por fim, tem
sido interpretada como fruto cultural cabível aos ocidentais por sua
ascendência europeia, de modo que só somos cristãos por intermédio da
influência cultural e o próprio cristianismo é resultado desse mesmo fator.
Ratzinger, vislumbrando esse cenário, diz que o cristão deverá “examinar
cuidadosamente as diferentes instâncias que se levantam contra a pretensão da
verdade do cristianismo no âmbito da filosofia, das ciências naturais, da
história, e terá de enfrentá-las. Mas, por outro lado, deverá tentar, também,
obter uma visão geral da questão da verdadeira essência do cristianismo, de seu
lugar na história das religiões e sua localização na existência humana”.
Sem
hesitar, Agostinho atribui ao cristianismo um posto no âmbito da “teologia
física”, do racionalismo filosófico. Tal influência repercutiu entre os
primeiros teólogos do cristianismo e seus apologistas. O próprio apóstolo Paulo
configura o primeiro capítulo da carta aos Romanos com base na teologia da
sabedoria do Antigo Testamento onde se refere ao escárnio dos deuses dos
Salmos. Ao analisarmos tais questões, entendemos que o cristianismo tem seus
precursores e sua preparação interna no racionalismo filosófico, não nas
religiões. Segundo Agostinho, e a própria tradição bíblica, o cristianismo não
se baseia nas imagens e ideais míticas, que se justificam na utilidade
política, mas refere-se ao aspecto divino que a análise racional da realidade
pode perceber. Ou seja: Agostinho identifica o monoteísmo bíblico com as ideias
filosóficas sobre o fundamento do mundo formadas dentro das diversas correntes
da filosofia antiga.
Ratzinger
ainda nos lembra do discurso de Paulo aos atenienses, quando o cristianismo é
apresentado como a “religião verdadeira”: a fé cristã não se baseia em poesia
nem na política, duas grandes fontes da religião; baseia-se no conhecimento;
venera o Ser que é o fundamento de tudo o que existe, de modo que no
cristianismo “o racionalismo se tornou religião e não é mais seu adversário.”
Partindo
dessa premissa, o eminente teólogo considera que “o cristianismo foi entendido
como um triunfo da desmitologização, como um triunfo do conhecimento e, com
isso, da verdade” e que, por esse motivo, “deveria ser considerado universal e
levado a todos os povos, não como uma religião específica que ocupa o lugar de
outras, não como uma espécie de imperialismo religioso, mas como uma verdade
que torna a aparência supérflua”. Se levarmos em conta esses pontos, o
cristianismo em relação aos politeísmos deve ser considerado “incompatível, até
mesmo inimigo da religião, ‘ateísmo’: não se limitou à relatividade e à
possibilidade de intercâmbio de imagens” perturbando, assim, a ordem econômica,
ideológica e política que os politeísmos destinavam a seus estados, dentro dos
quais pretendeu não ser uma “religião entre outras religiões, mas, sim, o
triunfo do conhecimento sobre o mundo das religiões.”
Sobre
o judaísmo, Ratzinger se manifesta, considerando-o a forma religiosa do
monoteísmo filosófico, já que atendia tanto às exigências racionais, quanto
espirituais do ser humano, no sentido de que nem tudo o homem consegue
satisfazer através do pensamento: não se pode rezar adorar um deus que só
existe na mente. A revolução judaica se vê quando “o deus que o pensamento
descobre se encontra no interior de uma religião como deus que fala e age”,
conciliando, assim, pensamento e fé. Porém, o judaísmo tinha uma deficiência: o
não-judeu era profano e jamais poderia se “integrar ao todo”, coisa que o
cristianismo resolveu através da forma como Paulo nos apresentou a figura de
Cristo, tornando o judaísmo universal através da união de pensamento e fé com
uma acessibilidade global. Sobre o cristianismo, Justino Mártir, que além de
mártir foi filósofo, declarou que, quando se converteu a Cristo não renunciou
suas próprias convicções filosóficas, mas foi quando tornou-se verdadeiramente
um filósofo. Tal perspectiva perdurou durante os Pais da Igreja.
Segundo
Ratzinger, a filosofia nos leva a ver Deus de duas formas: Ele é diferente dos
outros deuses, míticos e políticos, sendo verdadeiramente “natura Deus”,
concordando, assim, com o racionalismo filosófico, enquanto, através dessa
mesma filosofia, podemos reconhecer que “nem tudo que é natureza é Deus”, “Ele
é mais que natureza. Precede-a, ela é sua criação”. Sabiamente, o teólogo
conclui: “não se podia rezar ao Deus que era natureza, alma do mundo ou como
quer que fosse seu nome.” E esse Deus, justamente por não ser natureza, não
guardou silêncio, entrou na história, foi ao encontro do homem, encontrando-se
com ele de modo que o homem pode, então, unir-se a Deus – porque Deus se uniu
ao homem - e, assim, “as duas dimensões da religião que sempre estiveram
separadas – a natureza dominante e a
necessidade de salvação do homem que sofre e luta – aparecem intimamente
unidas.” E, de modo emblemático, afirma: “O racionalismo pode se transformar em
religião porque o mesmo Deus do racionalismo entrou na religião”. Nesse ponto,
a fé entra na sua exigência perante a palavra histórica de Deus, sendo como uma
condição para que a religião possa se direcionar ao Deus filosófico, “que já
não é mero Deus filosófico e que não rejeita o conhecimento filosófico, mas que
o assume”.
Conforme
se aprende no riquíssimo texto do emérito papa, o cristianismo não trinfou
sobre o paganismo somente pela racionalidade, mas também pelo seu rigor moral.
Nesse sentido, Paulo já havia relacionado com a racionalidade a fé cristã: qual
o real significado da lei, as exigências que o Deus único faz ao homem e que a
fé traz à luz coincidem com o que o homem, sem exceção, traz no seu coração (Rm
2:14). “O cristianismo superou os limites das escolas filosóficas ao considerar
o Deus que está no pensamento como um Deus vivo, também aqui se deu um passo da
teoria ética à prática moral vivida em comum, na qual a perspectiva filosófica
é superada pela concentração de toda a moral no duplo mandamento de amor a Deus
e ao próximo, a se traduz em ação real.” Nesse sentido, o cristianismo é
convincente pela união da fé com a razão e pela orientação para a caridade, o
amor aos que sofrem, aos pobres e famintos, “acima de todo limite de condição”.
Temos, então, a síntese de “razão, fé e vida.”
Sobre
a razão desprendida de Deus, o grande teólogo ainda afirma que é paradoxal o
uso da razão para refletir-se sobre um universo inteiramente irracional, sendo
a razão, nesse sentido, um produto do irracional e que, raciocinando, procura
por seu lugar de importância num oceano irracional. Comento eu que é estranho
termos razão dentro de uma realidade inteiramente irracional e, sendo nossa
razão fruto do caos, é realmente razão a se confiar? É racional de fato?! Nesse
sentido, o cristianismo, apegado ao “logos eterno”, dá valor muito maior a
utilidade e lógica da razão, tendo, portanto, consolidada a sua definição como
racionalismo. A conclusão de Raztinger é: “o amor e a razão coincidem como
verdadeiros pilares fundamentais do real: a razão verdadeira é o amor e o amor
é a razão verdadeira. Em sua união constituem o verdadeiro fundamento e
objetivo real.”
Obrigado pelo trabalho
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