Nada incomum é vermos os críticos da fé cristã alegando que a Igreja em nada contribuiu para a ciência. Afinal, existe verdade nisso? A Igreja, de fato, não contribuiu em nada para a constituição da Ciência Moderna? É o que o breve estudo que segue se propõe a responder - tire as suas próprias conclusões.
Sobre a
influência da Reforma sobre a revolução científica, podemos levantar mais
algumas questões:
1-
A Reforma desafiou a autoridade do catolicismo
romano, que havia dogmatizado como teologia uma visão científica do mundo,
embasada nos pensamentos de Aristóteles, Ptolomeu e Tomás de Aquino – a Terra
era o centro do universo, os corpos celestes moviam em órbitas perfeitamente
circulares e suas leis eram imutáveis.
2-
A Reforma desafiou a tradição católica romana de
que a autoridade residia tanto nas Escrituras quanto na igreja
institucionalizada – Lutero entendia que a Bíblia era a autoridade máxima. Como
a Bíblia pode ser interpretada de formas mais variadas, sendo ela a autoridade
exclusiva, abriu-se espaço para especulações científicas que outrora, dentro das
tradições da igreja católica romana, não teriam tido espaço.
3-
A Reforma, através de suas afirmações sobre a
soberania de Deus, especialmente no que se refere ao meio de salvação, lançou
os fundamentos para o pensamento científico do século XVII. Deus agia de modo
dinâmico e ativo na natureza e o homem tinha acesso, individualmente, ao
Criador através de Cristo e, logo, ao conhecimento natural – estudar a natureza
passou a ser o mesmo que ver Deus trabalhando. Mais pessoas se sentiram no
direito de mergulhar no mundo acadêmico.
Muitos dos
cientistas que surgiram após a Reforma entendiam que tinham o dever de estudar
ciência, o mundo, com o objetivo de verificar a existência de Deus – um
universo planejado, embasado em ordem e propósito, indicava um Criador. Essa
liberdade de estudo logo pôs em questão o velho modelo científico-filosófico.
Francis Bacon (1561-1626), anglicano devoto e autor da célebre frase “Um pouco
de filosofia leva a mente humana ao ateísmo, mas a profundidade da filosofia
leva-a para a religião”, propôs um novo modelo para alcançar o conhecimento e a
verdade: dever-se-ia registrar de modo sistemático os fatos que, então,
levariam a hipóteses experimentais testadas mediante experiências – esse é o
fundamento da ciência moderna.
Logo mais, René Descartes (1596-1650)
trabalhou sobre a importância da dúvida, logo, estimulou a coragem de
questionar e a curiosidade em responder – ele acreditou ser capaz de provar a
existência de Deus, concluindo que o fato de a mente humana entender que exista
algo perfeito indica que esse mesmo algo perfeito tenha inserido essa ideia
ali, de modo que o homem, por conta própria, seria incapaz de conceber tal
assombrosa existência. Descartes reforçou o uso da razão para chegar-se ao
conhecimento da verdade. Esse grande matemático e cientista era católico fiel:
“Estou certo de que aqueles que examinarem cuidadosamente meus argumentos
quanto à existência de Deus hão de descobrir que, quanto mais tentarem achar
erros nas ideias, mais sairão convencidos. Ainda digo mais: em si mesmas, essas
ideias são mais claras em qualquer demonstração geométrica. Desse modo,
parece-me que elas só são obscuras para aqueles que não conseguem abstrair suas
mentes das sensações.”
Depois de
Descartes, John Locke (1632-1704) apontou a experiência, e não somente a razão,
como fontes do conhecimento da verdade. Em 1695, Locke publicou a obra A
Razoabilidade do Cristianismo, onde entendia que a fé cristã era a mais
razoável. Infelizmente, mesmo cristão, Locke criou um sistema de pensamento que
dificultava a questão sobre a fé, essencial para o cristianismo.
Nos ramos da
astronomia, logo encontramos Nicolau Copérnico (1473-1543), clérigo cristão,
argumentou, na obra “Sobre o movimento das esferas celestes”, que a Terra
girava entorno do Sol a cada 24 horas, o que desafiava a filosofia aristotélica
tradicional. Copérnico disse: “Quando um homem se ocupa de coisas que ele
entende como ordenadas do modo mais perfeito possível, relacionadas à
administração divina, sua contemplação persistente e grande familiaridade com
essas coisas não o estimulariam a ser o melhor que pode ser, admirando o
Criador em tudo, Criador esse que é só alegria e bondade?”
Johannes
Kepler (1571-1630) apresentou provas matemáticas da teoria de Copérnico e
descobriu que a órbita dos planetas descreve uma elipse, não um círculo
perfeito, conforme pregava Aristóteles. Kepler, luterano devoto, disse:
“Pretendia tornar-me teólogo (...), mas agora vejo como Deus também é, em meus
esforços, glorificado na astronomia, porque ‘os céus declaram a glória de
Deus’. Sou cristão (...) e acredito (...) unicamente na assistência de Jesus
Cristo. (...) Tudo nele é refúgio e consolação.”
Galileu
Galileu (1564-1642), usando o recém-inventado telescópio, observou as montanhas
da Lua, as manchas solares, vislumbrou uma das luas de Júpiter e até mesmo
observou uma supernova – ele reforçou o pensamento de Copérnico e é considerado
o Pai da Astronomia e desafiou a imutabilidade celeste. Infelizmente sua imagem
foi desvirtuada com o tempo, com a militância ateísta o tornando um ícone da
luta da razão contra a fé, da ciência contra a religião, por advento de seu
julgamento pela Inquisição. Sobre isso, é bom fazermos um parêntesis:
Galileu foi,
sim, um cientista cristão, católico devoto – não era agnóstico, nem ateu,
tampouco envolveu-se nalgum debate de natureza antirreligiosa. O astrônomo, ao
contrário do que se prega, não zombava da Bíblia, conforme se lê na sua
brilhante biografia, A Filha de Galileu, escrita por Dava Sobel – pelo
contrário, a fé do cientista era inabalável. Foi ele mesmo quem disse: “as leis
da natureza foram escritas pela mão de Deus na linguagem matemática”, “a mente
humana é uma obra de Deus e uma das mais excelentes” e “a Bíblia nos mostra o
caminho para o céu, e não os caminhos do próprio céu”. Outro fato interessante
é que, de início, as ideias desse astrônomo do Colégio Romano, da ordem dos
jesuítas, recebeu amplo apoio e incentivo de seus colegas intelectuais – o fato
é que, ao tocar no ponto central e milenar do pensamento científico secular e
clerical, o aristotelismo, sofreu oposição.
A Igreja, ao
contrário do que se lê em diversas publicações ateístas, não era o ponto central da
pregação da Terra como centro do Universo, apenas concordava com o pensamento
aristotélico, ou seja, da Antiguidade Clássica, que era amplamente sustentado
por toda a classe científica. A verdade é que o próprio Galileu afirmou que seus
primeiros confrontos sobre suas ideias não se deram contra a Igreja, mas, sim,
contra outros acadêmicos – e os próprios acadêmicos é que pressionaram a Igreja
para entrar na guerra ideológica. Outro motivo da oposição a Galileu fora a
ameaçadora situação da Igreja Romana mediante a Reforma, estando em crescente
descrédito, de modo que lhe seria prejudicial perder em mais um campo, no caso
intelectual, onde imperava sem paralelos. O cientista católico, por outro lado,
também provocou doutras maneiras seus opositores: escreveu em italiano e não em
latim, o que atiçou as elites, de modo que transferia sua ciência ao povo
comum, também desprezou de maneira áspera seus opositores e, por fim, zombou do
próprio papa ao incluir um personagem “bobo” que aludia ao pontífice em um de seus trabalhos – o que lhe levou ao tribunal. Diante da Inquisição, Galileu nunca
foi torturado e, condenado à prisão domiciliar, passou a maior parte do resto
de sua vida nas residências luxuosas de seus amigos. O célebre astrônomo, ainda
assim, morreu católico.
Ainda sobre o caso Galileu Galilei: ao ler a obra de Francis Collins, A Linguagem de Deus, ficamos cientes de que Galilei chegou a ter permissão de um papa para escrever um livro relatando todas as suas ideias e opiniões, mas de modo equilibrado - como o astrônomo não se conteve e escreveu algo provocativo -como relatado acima-, foi submetido ao Tribunal.
No final das
contas, a figura entorno da qual orbitaram todos os demais cientistas da grande
Revolução foi Sir Isaac Newton (1642-1727), fundador da física moderna. O
grandioso cientista em questão sintetizou os trabalhos de Kepler e Galileu em
sua percepção sobre a Lei da Gravidade e sua implicação nos movimentos
planetários. Cristão devoto, ele próprio disse: “O sistema mais belo – o do
Sol, planetas e cometas – só poderia proceder do aval e do domínio de um Ser
inteligente e poderoso. Esse Ser governa todas as coisas, e não como uma alma
do mundo, mas como o Senhor de tudo; e por causa de seu domínio, costumamos
chamá-Lo de Senhor Deus, ou Governador do Universo.”
Fontes:
Panorama da História da Igreja, James P. Eckman, Curso Vida Nova de Teologia
Básica, Volume 4, pgs 79-82; Uma História Politicamente Incorreta da Bíblia,
Robert J. Hutchinson, pgs 154-155; Por que a Ciência não Consegue Enterrar
Deus, John Lennox, pgs 31-33; A Linguagem de Deus, Francis S. Collins, Gente, 2007, pgs 159-164.
Natanael Pedro Castoldi
Álbum:
Leia também:
- Os Papas: Mecenas do Conhecimento e da Arte
- A Bíblia e a Ciência
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- Os Papas: Mecenas do Conhecimento e da Arte
- A Bíblia e a Ciência
Obrigado pelo trabalho
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