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A Igreja e as Colônias

Não poucos afirmam que a Igreja tiranizou os ameríndios nos períodos dos descobrimentos e colonizações. Seria essa uma verdade histórica geral? É o que o breve estudo que segue se propõe a responder - tire as suas próprias conclusões.

             Com as Grandes Navegações e a exploração da América, a necessidade de levar bíblias aos nativos e colonizadores tornou-se urgente. Cristãos deveriam ser recrutados para essa missão. Em 1508, o papa Júlio II conferiu ao monarca espanhol o direito de indicar bispos, padres e frades para desenvolver missões nas terras espanholas da América. Bispos foram nomeados para Cuba, Porto Rico e Hispaniola. Em 1533, os franciscanos do México afirmavam a conversão de mais de um milhão de fiéis. Apesar disso, muitos nativos convertidos não entendiam corretamente a mensagem, e preservavam suas religiões originais, combinadas ao cristianismo, o que resultou nalguns desconfortáveis eventos. Sabe-se, porém, que o trabalho dos missionários cristãos na América produziam resultados tais que, não raramente, o novo convertido nativo era mais hospitaleiro e piedoso do que os recém-chegados dalém mar, no caso de Portugal e Espanha.
                Um detalhe que devemos considerar no estudo de História da Igreja é que, muito raramente, a instituição cristã tornou-se mais poderosa do que os estados seculares, isso desde o levante das nações franco-germânicas na Idade Média. Na questão da América não foi diferente: mesmo que os missionários e o próprio papa desestimulassem os maus tratos e a escravidão para com os nativos e negros, os cristãos de tradição, não de conduta, que colonizavam as novas terras prosseguiam em suas tramas opressoras. Sabe-se que os únicos reais defensores dos ameríndios e de seus direitos eram os missionários cristãos, que falavam em nome do papa – e, em troca dessa defesa, compraram cada vez mais inimigos, incluindo a aristocracia rural. O papa Paulo III chegou a lançar uma bula –Sublimis Deus- contra a escravidão, isso no ano de 1537 – 5 anos depois uma lei espanhola baniu os mais tratos aos trabalhadores americanos. Até o século XIX havia mais de 15 mil igrejas instaladas nas “Índias Ocidentais”.
                A amizade que os jesuítas fizeram com os nativos foi tão marcante que os mesmos compraram briga com as coroas europeias em nome deles, o que provou a sua destruição: os estados europeus maquinaram pela desintegração da Ordem Jesuíta, já que a mesma atrapalhava os seus negócios.
                Sabemos também que a maioria dos cristãos que passaram a habitar terras distantes manteve a fé mediante os mais terríveis desastres, demonstrando mais paciência do que impaciência e procurando perdoar os inimigos, ou seja: tentavam seguir corretamente a Bíblia – mas nem todos foram assim, obviamente. Outro detalhe a ressaltar é que, embora os missionários cristãos se esforçassem em desestimular a violência e a crueldade, eram colocados no mesmo balaio de soldados, comerciantes e oficiais colonizadores que praticavam o oposto – mas sabemos que alguns povos nativos eram tão brutais, que muitos missionários teriam morrido sem o apoio militar. Um outro ponto a levantar se refere aos sacrifícios a que se submeteram esses fiéis evangelistas, que reduziram ou dificultaram suas vidas em nome de Cristo, de modo que contraíram inúmeras doenças tropicais, além o desconforto climático e do afastamento definitivo de suas casas, cidades, amigos e famílias.
                A América do Norte teve sua colonização principalmente por advento dos imigrantes, entre eles grandes levas de cristãos que procuravam por liberdade religiosa, que foi o caso dos puritanos, que chegaram primeiramente em 1620, no famoso Mayflower. Alguns navios traziam congregações inteiras, incluindo pastores, que se distribuíam por várias terras estabelecendo sociedades centradas nas igrejas. Essas colônias, muitas protestantes, permitiram a entrada dos primeiros missionários protestantes na América – assim, na década de 1670, milhares de ameríndios estavam aprendendo os princípios do cristianismo e da agricultura. Nos primeiros momentos, houve grande harmonia entre os nativos e os colonos, embora saibamos que desentendimentos surgiram. Das poucas mulheres que chegaram inicialmente à América, as ursulinas encontraram sue lugar de destaque –ordem em homenagem a Santa Úrsula, iniciando seus trabalhos em Bréscia, na Itália, em 1535, auxiliando os franciscanos, mas logo tornando-se independentes, de modo que procuravam satisfazer necessidades espirituais que os frades não supriam. Posteriormente foram convidadas pelos jesuítas para trabalhar na América. Com sua líder, Marie Guyard, enfermeiras e outras mulheres chegaram à América em 1639, procurando dar aulas aos filhos dos colonos e nativos, além de dispor-lhes cuidados médicos – Marie organizou um dicionário de uma linguagem ameríndia e, fluente, acabou por ser porta-voz dos nativos que, muitas vezes, eram enganados pelos comerciantes europeus e, portanto, precisavam de instrução.
                   No Brasil temos algumas "histórias politicamente incorretas" sobre índios e europeus: por volta de 1646 os jesuítas que tentavam evangelizar os índios do Rio de Janeiro passaram por apuros. Como havia engenhos perto de aldeias, os índios adotaram o costume de beber exageradamente, o que promovia brigas, mortes, doenças e adultério, além de dificultar terrivelmente o trabalho dos missionários. Procurando soluções, foi entendido que essas aldeias próximas dos engenhos deveriam ser reinstaladas mais longe - os índios se revoltaram, junto com alguns colonos, e atearam fogo nas choupanas dos padres. Um jesuíta do colégio em questão, por volta de 1755, comentou sobre o "gosto que neles [indígenas] reina de viver entre os brancos". Era comum que os índios fugissem das aldeias para as proximidades de vilas e engenhos. Na época muitos índios se prontificavam a servir aos brancos, mas, segundo o jesuíta comentado, o objetivo era preservar os vícios adquiridos na sociedade colonizadora - a verdade é que, também, muitos brancos fugiam das cidades para morar nas aldeias. Os evangelistas europeus e demais colonizadores não foram os responsáveis diretos pela perda de muitos costumes dos nativos, como afirma a historiadora Maria Regina Celestino de Almeida: "os índios transformaram-se mais do que foram transformados".  Sobre as mortes de indígenas por advento das explorações, nem tudo é como aprendemos na escola: é difícil imaginar que meio-dúzia de navegadores mal nutridos, doentes, fracos, famintos e miseráveis conseguiriam, senão por transmissão de doenças, matar muitos nativos. O mais frequente era ver os navegadores fracassando, como aconteceu em 1510, quando nativos mataram 69 dos 70 navegadores espanhóis instalados no Caribe colombiano. Até mesmo Américo Vespúcio teve que fugir dos indígenas quando tentava estabelecer uma base no Rio Grande do Norte - em alguns casos surgiam índias nuas na para para atrair os navegadores que, uma vez aproximados, recebiam saraivas de flechas. O livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Leandro Narloch, leYa, 2011, pgs 31 a 41, também ressalta que os indígenas foram mais responsáveis pelas mortes dos nativos do que os europeus, uma vez que os cristãos tinham a restrição moral ao assassinato, considerado pecado.
                Fontes: Uma Breve História do Cristianismo, Geoffrey Blainey, pgs 200-203, 205-208; A História Revelada dos Papas, pg 103.

                       Natanael Pedro Castoldi

Leia também:
- A Igreja Primitiva e a Moralidade
- A Sinceridade da Fé - A Expansão Inicial da Igreja

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