Eu sou um cristão protestante, mas repudio o posicionamento anti-católico de muitos dos meus irmãos, por isso extremamente relevante evidenciarmos os benefícios que a Contrarreforma produziu para a cultura ocidental.O breve estudo que segue se resumirá num panorama do movimento - tire as suas próprias conclusões.
A
Igreja Católica necessitava de uma reforma em suas estruturas, e isso já estava
em curso antes mesmo de Lutero. Vendo-se manchada pelas polêmicas e perdendo
fiéis mediante a Reforma, a Igreja Católica, em crise inclusive econômica,
reuniu-se em uma forte mobilização de resistência e expansão – enquanto parecia
que iria desaparecer em no século XVI, chegou ao ano 1600 mais forte do que
antes de Lutero.
Uma
associação de sacerdotes e leigos de Roma, de nome Oratório do Divino Amor,
uniu-se a papas reformadores para tratar de reorientar a Igreja. Essa ordem,
fundada em 1517, procurava, incluindo gente de todos os segmentos sociais,
unir-se em oração e caridade. O maior membro desse grupo, Gasparo Contarini
(1483-1542), pareceu compreender bem as causas da Reforma, de modo que procurou
diálogo e reconciliação com os mesmos.
Quando
o protestantismo se institucionalizou e uma séria guerra desenvolveu-se entre o
mesmo a Igreja Católica, a cisão, infelizmente, pareceu irremediável. O Igreja
Romana, ainda mais ameaçada, então uniu-se, em 25 sessões, no Concílio de
Trento (1545-63), norte da Itália, procurando responder com poder aos
reformadores. Tal concílio revitalizou a vida espiritual –ênfase na oração,
meditação, exame da consciência, leitura da Bíblia e comunhão com Deus- e
eclesiástica da instituição, eliminando os abusos administrativos e elucidando
a doutrina. Reforçou-se a autoridade da Igreja Romana. Como fruto desse novo
espírito, a arte barroca floresceu, servindo como estímulo visual para uma
adoração mais profunda da parte dos fiéis – os pintores Ribera, El Greco e
Caravaggio desenvolveram-se nesse meio. O impulso dado às artes nesses tempos
era algo nunca visto anteriormente, a exemplo da catedral de Granada, na
Espanha, da colunata da Praça de São Pedro, em Roma, do palácio de Versalhes,
na França e da Igreja de Santa Maria da Saúde, em Veneza. Na área da música, o
barroco também revolucionou: Vivaldi, Monteverdi e Hendel são frutos e
criadores dessa esfera do movimento.
Entre
os católicos notáveis do século XVI temos Teresa de Ávila, nascida dois anos
antes de Lutero na Espanha e detentora de um estilo de vida e fé orientado por
oração contínua. É a primeira mulher considerada “doutora” pela Igreja, de modo
que escreveu sobre aspectos fundamentais do cristianismo, como a graça, a
familiaridade e a singeleza. Outro grupo de notável crescimento no período foi
o dos monges capuchinos, um ramo dos franciscanos que procurava reviver os
ideais de Francisco de Assis vivendo entre o povo, exercendo trabalhos
humanitários, dos quais o mais memorável se deu com uma epidemia que assolou
Camerino, na Itália, em 1523. Ótimos pregadores, logo se espalharam pela Pérsia,
Ásia Menor e norte da África, desafiando os muitos piradas e libertando
prisioneiros das galés. Chegaram, inclusive, ao norte do Brasil e aos
muçulmanos do leste do Mediterrâneo – estes que estavam entre os muçulmanos
foram impedidos de continuar seu serviço, pois suspeitava-se que tinham se
ligado de modo muito íntimo ao seu objeto de evangelismo.
A
verdade é que a contribuição mais forte da Contrarreforma foi a fundação da
Companhia de Jesus, os jesuítas, no ano de 1540 por intermédio de Inácio de Loyola
(1491-1556). Inácio, nascido no País Basco, ao norte da Espanha, foi um
importante cavaleiro de guerra, porém feriu-se terrivelmente ao ser atingido
por uma bala de canhão. De uma vida de devassidão, entregou-se à Cristo ao ler
sobre a vida do Mestre e de diversos heróis da fé. Logo voltou-se para o latim
e adentrou na Universidade de Paris, onde dormia no mesmo dormitório que
Francisco Xavier e Pedro Faber – reunindo-se com mais alguns estudantes,
dirigiu um grupo de “Exercícios espirituais”, onde meditavam e oravam,
preparando-se para o “Exército de Cristo”. Esse grupo, crescido, logo, sob
permissão do papa, transformou-se em ordem, tal sempre preparada para ir a
todos os cantos da Terra, conforme a vontade do pontífice. Oficialmente, o papa
Paulo III, em 1540, considerou os jesuítas.
Com
influências sobre vastas extensões do globo, Inácio escreveu cartas de
instrução para incontáveis leigos, sejam homens ou mulheres, de modo que a
ordem logo saltou de oito para mil membros, estabelecendo conventos e colégios por
toda a Europa e até no Brasil e no Japão. Dois eram seus enfoques: evangelismo
e educação. Em 1548 já haviam escolas jesuítas na Itália, Portugal, Países
Baixos, Alemanha e até na Índia, com o objetivo de instruir novos membros para
a ordem. Nesse mesmo ano, Inácio enviou cinco jesuítas para a Sicília, a fim de
abrir uma escola inclusive para leigos. Com o tempo, além de escolas, os
jesuítas fundaram várias universidades na Europa.
Ao longo do tempo, a ordem prosseguiu
aperfeiçoando métodos de ensino, dedicando-se à educação de pessoas de todas as
idades, da escola primária à universidade, mas especializando-se ao ensino das
classes superiores.
Francisco
Xavier (1506-52) foi o maior missionário dentre os jesuítas. Em 1542 partiu
para Goa, no litoral da Índia, onde batizou milhares de pessoas antes de ir ao
Sri Lanka, à Malásia e ao Japão – ele aprendeu o idioma local, em dois anos
conquistando 2 mil seguidores. Morreu esperando entrar na China. A estratégia
dos jesuítas geralmente começava com a tentativa de converter o líder político
da nação almejada ao cristianismo e, assim, pela própria ordem do rei local,
evangelizar o povo desejado. Na América os jesuítas promoveram a conversão em
massa dos nativos indígenas, que organizavam nas chamadas “reduções”, onde
ensinavam música, escultura e o alfabeto, criando alfabetos para os povos com
quem conviviam – os próprios jesuítas aprendiam a língua local e se comunicavam
com os ameríndios através dela. Esses missionários reconhecidamente apegavam-se
aos povos locais, de modo que as cortes europeias desentenderam-se com a Igreja
em relação aos mesmos, que dificultavam a exploração dos nativos – Portugal,
mesmo que o papa Clemente XIII (1758-69) fosse defensor e amigos dos jesuítas,
foi o primeiro país a expulsá-los de seus domínios, já que a amizade dos mesmos
com os indígenas do Paraguai atrapalhava seus negócios na colônia.
Em
Pequim também encontramos a presença dos Jesuítas, onde temos o exemplo de
Matteo Ricci, um monge italiano que combinava o cristianismo com a tradição
chinesa. Na China os jesuítas foram bem recebidos pelo imperador, pois detinham
grandes conhecimentos de matemática e dos astros celestes.
O livro A Sabedoria dos Jesuítas para (Quase) Tudo, James Martin, Sextante, 2012, ps 9-10, diz, sobre os jesuítas: "'Eles foram conselheiros da corte em Paris, Pequim e Praga, orientando os reis sobre quando e como deviam se casar ou partir para a guerra. Foram os astrônomos dos imperadores chineses e os capelães do exército japonês na invasão da Coréia. Como esperado, ministraram sacramentos e sermões e proporcionaram educação a homens tão diversos quanto Voltaire, Fidel Castro, Hitchcock e James Joyce. Mas também foram pastores em Quito, fazendeiros no México, viticultores na Austrália e latifundiários nos Estados Unidos antes da Guerra Civil. A Companhia de Jesus frutificou no mundo das letras, das artes, da música e da ciência e dissertou sobre dança, enfermidades e leis da eletricidade e da óptica. Os jesuítas enfrentaram os desafios de Copérnico, Descartes e Newton, e 35 crateras da superfície lunar foram nomeadas por cientistas jesuítas. 'Nos Estados Unidos, os jesuítas talvez sejam mais conhecidos como educadores, dirigindo atualmente 28 instituições de ensino superior entre faculdades e universidades, além de dezenas de colégios e escolas técnicas na periferia das cidades.'"
As
Grandes Navegações, movimento empreendido pela Europa com o apoio da Igreja
Romana, desejosa de novas terras para disseminar o cristianismo e a doutrina
católica mediante as perdas provocadas pela Reforma, são, em parte, fruto da
Contrarreforma. Ainda antes da Reforma, a viagem de Cristóvão Colombo, que
partiu da Espanha em 1492, é um marco na história mundial – e desmentiu muitas
visões antigas de monstros terríveis habitando os mares. Colombo realmente
procurava por terras onde missionários cristãos poderiam atuar, de modo a também
obter riquezas materiais para a Espanha, então um dos países mais fortemente
fervorosos em sua fé – um detalhe interessante é que o Grande Navegador
almejava encontrar, em sua jornada, alguns lugares descritos na Bíblia. Em 12
de outubro de 1492, os 80 homens que lotavam dois navios, chegaram à terra
firme. Quando dedicou a terra que considerava ser a Índia, o fez “em honra a
nosso Santo Senhor”. Isso ocorreu na primeira viagem de Colombo, que retornou à
América numa segunda, agora com 17 pequenos navios que traziam, além dos
exploradores, padres e frades.
Na
segunda viagem de Colombo à América, o mesmo nutria um desejo particular:
queria encontrar as terras de onde um dos três reis magos partiram para
encontrar com o menino Jesus. Ele mesmo disse, em outubro de 1495, de Cuba:
“Senhores, estamos chegando ao lugar de onde partiu um dos três reis magos,
para adorar Cristo. O lugar se chama Sabá.” Esse desejo não se concretizou, mas
também não impediu que a terceira viagem, em 1498, fosse feita em nome da
Santíssima Trindade. Ao chegar à foz do imenso rio Orinoco, acreditando que
tudo na América se tratava da Ásia, acreditou estar diante do Jardim do Éden.
Não
demorou para que as costas orientais da América fossem extensivamente
exploradas, inclusive por frades que conheciam muito bem as Escrituras. Pedro
Álvares Cabral nomeou o Brasil de Terra de Santa Cruz, os espanhóis batizaram a
Flórida em homenagem ao domingo de Páscoa e, mais ao norte, no golfo de São
Lourenço, uma cruz de 10 metros de altura foi erguida. A Califórnia recebeu os
nomes de São Francisco e Los Angeles e no Chile, a capital foi nomeada Santiago
– o nome de um apóstolo.
Fontes:
Os Cristãos, Tim Dowley, pgs 118-120 e 122; Uma Breve História do Cristianismo,
Geoffrey Blainey, pgs 194-201, 204-205; A História Revelada dos Papas, Quero
Saber, pg 103.
Natanael Pedro Castoldi
Leia também:
- Reforma Protestante: Ciência e Democracia
- Os Papas: Mecenas do Conhecimento e da Arte
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Obrigado pelo trabalho
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